quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

impressão de pressão


Há no ar um cinzento enegrecido. Por entre as gotas vê uma impressão… Pressão que a empurra sobre si mesma... sabe a arrepios na espinha com travos a incerteza.
[Pestanejar]
O ar está carregado. Conta as paragens até chegar a casa. Não há vozes acolhedoras, não há sorrisos. Sente-se só entre a multidão. O vento gelado dá-lhe estalos segundo após segundo. Caminha acompanhada pelas folhas de Outono tardio que varrem o chão.
[Pestanejar]
Chora por dentro. Chora a falta de esperança, o desconsolo, o desamparo de si mesma. Chora em silêncio e sem lágrimas… e ninguém à sua volta vê o choro que o sorriso esconde… só…
[Pestanejar]
Atira a vontade ao chão e pisa-a nos intervalos da calçada. Está enegrecida do corre corre que por ela passa.
[Pestanejar]
Alma cansada. Indecisão contínua. Pensa que talvez os astros estivessem certos demais…
[Pestanejar]
Quer um peito onde acoitar-se, não um qualquer… aquele, apenas aquele mas hoje ele não está presente para silenciar o resto, não há mão, não há carinho há apenas o frio que invade o casaco e o parece querer arrancar do corpo… corpo frio, corpo sem rumo, corpo sem acção.
[Pestanejar]
Talvez não seja suficiente, talvez ela não seja tanto quanto pensam, talvez ela seja apenas nada… talvez ela não seja aquilo que esperam dela. Talvez seja apenas um vazio bem disfarçado.
[Pestanejar]
Talvez seja inconstante demais ou constante em excesso. Talvez não seja nada além de uma ilusão. Talvez não seja, apenas.
[Pestanejar]
O dia morre a cada alvorada, não há tempo marcado no calendário nem relógio que marque horas, os números apagaram-se e os ponteiros desfizeram-se… nem vento tem som, há silêncio fora dela… ou barulho a mais dentro… como diz, é sempre um questão de perspectiva…
[Pestanejar]
Quer chegar a casa. Quer bater a porta atrás de si e encolher-se no canto mais escuro do quarto mais escuro da casa mais escura do prédio mais escuro do quarteirão mais escuro do bairro mais escuro da cidade mais escura do país mais escuro do planeta mais escuro…
[Pestanejar]
Talvez desapareça no meio da escuridão. Talvez perca esta vontade no repouso do peito que anseia… talvez deixe de ser o “talvez” e o “não sei” que tanto a caracterizam… talvez morra… ela… ou eu… já nem sei.
[Pestanejar]
Há luz ao fundo do túnel. Pergunto: conseguirá brilhar com ela?
[Impressão de pressão...]

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alter Ego


Tropeçava nos caminhos que desenhava enquanto corria por entre as ervas do campo. Não era uma criança que seguia em linha recta, preferia os “zigue-zagues”. Colhia aquelas flores amarelas sobre as quais nunca questionou o nome. Estendeu a toalha que roubara da gaveta da mesa redonda que habitava havia já muito tempo na cozinha da avó. Do cestinho que tinha levado emprestado da dispensa tirou os ingredientes do seu lanche campestre, pão, geleia e uma maçã. Cruza as perninhas, ainda pequenas, e inicia o seu festim privado. Partilha com os pássaros as migalhas do pão e avista já as formigas que irão roubar o que resta da geleia. Enquanto limpa com uma mão a maçã ao seu vestido vermelho às bolinhas brancas estende a outra para alcançar o livro que roubou da estante do avô… ainda mal sabe ler mas gosta de tentar perceber aquelas histórias maçudas que saíam da cabeça de outros. Ama os livros já desde tenra idade, há neles uma magia que nada mais tem. Naquele quadrado onde passam imagens ela não pode interferir… as personagens já existem, já têm cor e vida que lhes é dada por outrem… também gosta dessas mas não pode mexer nelas, com os livros não é assim… nos livros ela pode participar na criação das mesmas… tem espaço, tem liberdade… enquanto trinca a maçã vai colorindo as imagens ao ritmo da leitura… diverte-se e o tempo passa. Quando for grande quer escrever histórias, não sabe bem quais apenas que as quer escrever…


[Tempo]


Espelho. No reflexo busca algo um resto, uma migalha de sonhos antigos. Nada. Percorre-se detalhadamente entre destroços do que outrora fora esperança.

[Lágrima]


Aquece a alma.

[Silêncio]

Pergunto onde está a sonhadora? Não há reticencias? Onde estão os castelos? Onde está a coragem?...

[Pestanejar]

Esqueceu-se dela algures por entre os campos que deixou de percorrer, algures por entre os livros que deixou de ler, algures no rasto de alguém que deixou de ser…

[Pausa]

No reflexo avisto um sorriso. Não dela. É outra…

[suspiro]

Há corpo presente no seu sorriso, há beijo, há toque, há sabor, há algum significado distinto.
A geleia e a maçã já não são iguais…

[Existe?]

[Resiste?]

[Silêncio]

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Subtrai


Subtrai, não somes.
já basta aquilo que sozinha multiplico...

Subtrai as interrogações, não somes questões
eu multiplico as respostas.

Subtrai as exclamações, não somes emoções
eu multiplico sempre o ênfase

Subtrai as vírgulas, não somes pontos finais
eu multiplico-os sempre em reticências.

Subtrai, não somes
já basta eu multiplicar-me constantemente...

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Fio de Fantasia



Presa em fio de fantasia desenhou um sonho amarelado e azul, daqueles que a meio fundem cores e invadem o espaço um do outro.

Eram meias horas e estava a acordar, queria sempre dormir mais “mei hora” como dizia na sua voz doce de sussurro caramelizado que alguém chamava à realidade. Realidade… saberiam eles que a sua realidade era tão mais diferente? Sim tinha príncipes, sim tinha fadas, sim tinha bruxas, sim tinha um fauno, monstros e companhias… tinha perguntas sem resposta, tinha reticências sem sequência possível, fios sem meada. Saberiam eles que ela sempre foi real num local que mais ninguém via?… enfim…

No fio da fantasia acordou sentidos.

[segredo]

No fio da fantasia viu cor.

[sopro]

No fio da fantasia desenhou passos.

[azul]

No fio da fantasia escondeu sons.

[veludo]

No fio da fantasia soprou letras.

[silêncio]

No fio da fantasia olhou a larva.

[fechada]

No fio da fantasia abriu braços ao sonho.

[casulo]

No fio da fantasia deixou-se guiar em pós de perlim pim pim atrás de sereias e unicórnios que perseguia em cada sonho que colava ao fio de fantasia… fechou-se sobre si mesma.

[rasgar]

Cresceu…

Abriu asas…

Foi borboleta…

É mulher…

Voou?

Em fios de fantasia o segredo não é criar…


[colar].

domingo, 13 de julho de 2008

Só para que saibas


Ela abre os olhos.

Tirada de um sono profundo. Sono velado pelo sono de outrem.

Ela acorda e não vê a parede. Vê-o a ele, ao seu braço cansado de acolher o peso dela durante a noite, e não outro.

Abre os olhos e não se lembra de ninguém fora daquele momento… não tem saudades de um passado… não sente presença de outros corpos, outros toques. Por entre os lençóis está ele… Ela sorri. Sem medo. Serena.

Não há mais nada além daquele momento. Conforto. Doçura. Sabor. Odor. Ardor. Sentir. Confiar. Sorrir.

Gosto do teu cheiro por entre os lençóis, gosto de sentir a tua presença mesmo quando não estás. Não é obsessão, é outra qualquer coisa que rime com isso.

Acordo contigo e deixa-me dizer-te que… é bom fazê-lo ao teu lado e poder começar o dia respondendo em eco à voz doce que me desperta com… “Gosto de Ti”!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Outrora


Passava já da meia noite e a lua estava alta e cheia, linda como sempre, mas especialmente linda neste momento. Num carro sem dono seguia ela...

Outrora fora menina que fazia pendentes de sonhos e os colava no tecto, gostava de adormecer a olhar para os seus sonhos.
Outrora fora menina que brincava sobre estrelas que escondia debaixo da cama...
Outrora fora a menina que escondia em caixas tudo aquilo que lhe dava prazer em estar viva, guardava segundos de sorrisos, pedaços de palavras, sentimentos silenciosos e os sonhos... sempre os sonhos... aqueles que nunca contou a ninguém... abstractos demais para que um som os pudesse traduzir.
Outrora fora de facto semente, como disse a deusa Íris... semente...
Outrora começou um caminho no qual tanto tropeçou.
Outrora tentou o voo sem saber ainda como abrir os braços e neles deixar crescer asas...
Outrora foi e sonhou ser tanto que não sabia...

Passava já da meia noite e ela seguia num carro , rodeada de vozes quentes e acolhedoras, quis tanto abraçá-la e dizer-lhe em suspiro ao ouvido... "Estou orgulhosa de ti".
Se da lua cheia onde está ela me estiver a ver sei que sorri... Sei agora deixar as minha pétalas voar no vento...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Je ne sais pas


Sinto o vento que se adivinha.

Je ne sais pas

Onde ficam os minutos de silêncio que te escuto.

Je ne sais pas

Onde ficam os voos que sinto nos teus braços.

Je ne sais pas

Onde escondo o medo que sinto no teu olhar.

Je ne sais pas

Onde guardar o reflexo que tenho do que vejo em ti.

Je ne sais pas

Quem escondes aí, aí mesmo nesse semi sorriso que desenhas nos teus lábios.

Je ne sais pas

Quem vês quando me olhas através do toque.

Je ne sais pas

Que caminho é este que decido seguir através das tuas pegadas.

Je ne sais pas

Quando virá o furacão

Je ne sais pas

Que lágrimas são estas que adivinho neste insaber que sinto próximo

Je ne sais pas quest-ce que c’est ça mais je sais que je veux voiret vivre

Avec toien moi maintenant

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Ofereço-te


Ofereço-te o meu segredo.

[invertido]

Ofereço-o a meio da dança de olhares. No exacto momento em que te preparas para pestanejar.

[esquecido]

Ofereço-to sem pedir nada em troca.

Ofereço-te porque me apetece um acto de altruísmo que vá contra o habitual.

Ofereço-to porque talvez o possas entender.

[irracional]

Ofereço-to porque em cada pestanejar há sempre algo que se perde. Perdes o olhar por isso ofereço-te o segredo...

[cego]

Ofereço-te o meu segredo aninhado em silêncio na palma da minha mão...

[em nadas]

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Passagem



Caiam as primeiras gotas de chuva, ainda nem era noite mas havia já aquele sentimento nocturno no ar.

Os compassos apressados para chegar a um destino. O cansaço alinhavado na linha do olhar.

[Olhares]

Há o vento e a chuva. Gosto de dançar com os dois.

[Perdição]

Há a criança que no colo da avó vê o meu lenço esvoaçar, com uma atenção fascinante. Sorri-me.

[Doçura]

Há os olhares que se cruzam e parecem dizer “Quem será ela?”.

Há os sorrisos que se cruzam sem razões aparentes.

[...]

Há as reticências que divagam pelo cérebro em busca de uma linha que lhes incuta sentido.

Há a música de fundo que encaixa na perfeição com o que vive dentro de mim no momento.

[chuva]

Há tanto que uma palavra não traduz.

[Vento]

O silêncio aparente num corpo que dentro de si mesmo grita...

[Cala-me a mente e enche-me a Alma de sorrisos...]

Há quem diga coisas em silêncio e quem as ouça com sorrisos...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Maravilhas Sem País


* Alice lembras-te do país das maravilhas?

- Não.

* É pena. Sabias que o coelho era o melhor cozinheiro do reino?

- Não.

* Sabias que a Rainha de Copas era uma simpatia?

- Não.

* Lembras-te do gato? Era o teu melhor amigo!

- Não.

* Pois... normal.

(...)

* De que te lembras Alice?

- Do tempo.

* Que tempo?

- O tempo onde o tempo não existia.

* No país das maravilhas?

- Não, na mente de uma criança.

*...

- É bom poder construir tudo na base da desconstrução...

terça-feira, 20 de maio de 2008

Ab abrupto






Sopra o vento em redor do nada que se abate na ponta do meu nariz. A fita do cabelo cai sobre os ombros enquanto os olhos se estendem pelo nada até ao limite do horizonte. Condiz a imagem com a condição e situação. Secam-se as lágrimas de um laço que agora se desaperta após combustão forçada. No rasto as cinzas desalinhadas desenham o chão.

Sopra o vento em redor do meu corpo que se aninha em incertezas, sopra e arrasta consigo as cinzas de um passado bordado com padrão incerto.

Sopra o vento e cai a chuva inesperadamente. Fecho os olhos e ergo a cabeça. Os cabelos e a fita dançam no vento enquanto as gotas de água me limpam a maquilhagem. Os borrões negros marcam o rosto como se lágrimas se misturassem na água. A verdade é que sinto o sal e o quente que se mistura com o frio das gotas.

Dói arriscar, dói mudar, dói mais ainda saber que temos que mudar, fere mais ainda o medo de estar frente a uma nova estrada que sempre soubemos que chegaria mas que enfraquece os joelhos.

[sorriso]

Sopra o vento em redor dos pensamentos desalinhados em mim e alinhados nas cinzas. Corre o tempo e morre o espaço. Acção inerte daquilo que pede não mais que calmaria. Pergunto-me se sim ou não... vem-me o talvez que é a constante desde sempre. E nem dói face ao insaber e insabor doce da indecisão.

Assim me deixo face ao calafrio do vento que do meu ombro sopra no ouvido.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Eles.


ela tinha um lenço.

ele um copo.

ela a chuva.

ele uma lareira.

entre ambos espaço e tempo.

ela tinha noites e amanheceres.

ele tinha manhãs e dias.

próximos e no entanto tão longe.

caminham sem se cruzarem no entretanto.

EU vi-te passar...

TU........??

ela é ela.

ele é ele.

Eles não existe.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Tanto Quanto



Não é tanto o destino quanto o caminho.

Não é tanto o ir quanto o vir.

Não é tanto o querer quanto o ter.

Não é tanto o olhar quanto o ver.

Não é tanto o imaginar quanto o sentir.

Não é tanto o partir quanto o voltar.

Não é tanto o fim quanto o início.

Não é tanto o escutar quanto o ouvir.

Não é tanto o quebrar quanto o colar.

Não é tanto o amor quanto a paixão.

Não é tanto o sim quanto o não.

Não é tanto o beijo quanto o abraço.

Não é tanto o nó quanto o laço.

Não é tanto o medo quanto o receio.

Não é tanto o belo quanto o feio.

Não é tanto o sorrir quanto o voltar.

Não é tanto o abandonar quanto o pegar.

Não é tanto o agarrar quanto o tocar.

Não é tanto o ler quanto o entender.

Quanto és para seres tanto?

Talvez não sejas tanto quanto isso...

domingo, 4 de maio de 2008

A contrario sensu


No canto esquerdo, bem no escuro, ao fundo da sala ele se esconde.

[Consegues vê-lo?]

E não estás. Nem na dor que me queima o peito e me verga a espinha nem na lágrima que me aquece o rosto em queda livre. Nas mãos que cerro ao saber, nos dentes que cerro à voz. Não, não estás aqui. Não comigo.

Bem no fundo da sala é onde te escondes... alinhavas-me sem que me vejas devidamente.

[Consegues vê-lo?]

Vejo-te sem o ver. Escondido. No fundo. No negro. No silêncio dos pontos de fuga...

A fogo lento queimo a alma que corre para ti.

Vermelho, apenas vermelho permanece no horizonte.

E tu? Tu escondes-te na escuridão...

Não é que não respire sem ti, nada de dramatismos excessivos, vivo sim. E faço-o bem. Mas já dizia alguém que sobra ar. E sobra de facto. Sem dono... sem sonho onde acoitar-se.

E não estás. Comigo.

[Suspiro]

Estar só é vício, habituei-me e não minto que gosto mas apetece-me um sopro no pescoço e um arrepio na espinha.

E não sabes.

No escuro te escondes. Te aninhas. Me acenas.

Sem mãos danço para ti, em voos baixos... rodopiando no ar que sobra, abraçada a mim, sem pés onde pousar os meus.

Sangrando nada além de ausência morro no teu peito... morro à medida que o cheiro se esvai do meu corpo, o teu cheiro.

[Não me faltas tu]

[Falta-me ele]

[Falta que ele viva em ti.]

Consegues ver-me daí?

...

terça-feira, 29 de abril de 2008

Encontras-me?




“Se te perderes não sais de onde estás, eu encontro-te.”


Ouvi-a, após tantos anos, de novo.


Lembro-me de a ouvir e não ir para longe com medo que não me encontrassem. Foi assim tantos anos. Não ir com medo de não voltar, por não saber o caminho ou por não me encontrarem...


“Se te perderes não sais de onde estás, eu encontro-te.”


Nunca duvidei que assim fosse, mas na eventualidade de um engano seria mais fácil que eu não fosse e a metáfora de não ir a lado algum mistura-se com a frase e comigo.

O tempo passa...

Deixei-me ir.

Na maré sem corrente mas que arrasta.

No voo do pássaro sem ninho e sem hora que se deixa ir com o vento.

No calor dos corpos e dos sabores.

Do cimo do penhasco que há muito rondava parei e olhei... VOAR... abri os braços, lancei-me em queda livre (para mim apenas, nunca para ti) deixei-me ir o mais solta que soube para onde a brisa quisesse.

O frio na barriga.

O arrepio na espinha.

A respiração que trava.

A escuridão que engole.

O medo que fica escondido atrás da orelha.

Os olhos que não abrem.

A velocidade que nada deixa ver além do turvo em cores.

A meio da queda perdi-me, mas não me deixei ficar onde estava, a verdade é que já não sei voltar para onde estava... e tu não me viste crescer para que me possas reconhecer agora. E eu não sei recuar, não agora, não aqui, não depois da queda.

...

Encontras-me?

segunda-feira, 21 de abril de 2008

chuvectro




[Corpo]

Caminho em direcção ao chuveiro, aquela música ao fundo...tiro a roupa. deixando em mim apenas os pensamentos que me vestem a alma.

[Água]

Corres-me a espinha desenhando pontos de interrogação. Ando tão cheia de nadas que quase expludo.

[Pele]

Estás a entranhar-te, sorrateiramente vais ocupando espaço. Deixo que a água me escorra pelo corpo, pela pele, esfrego-a na esperança de que desapareças com a espuma... flutuas apenas. Agora mais que antes.

[Vapor]

Aumento a temperatura da água, se queimar a pele talvez a dor te faça desaparecer. O vapor alastra tomando espaço no pequeno cubículo, até no vapor te sabes movimentar.

[Água]

Aumento a pressão da água. Encosto as mãos às paredes do chuveiro, tento resistir nem sei bem a quê... mas é tal a força que faço que quase enterro os dedos na parede.
Deixo que a àgua escorra apenas, talvez numa réstia de esperança de que com ela escorram também estes pensamentos de nadas.
Viro-me directamente para o chuveiro, ergo a cabeça e deixo que a água me trave a respiração, a sensação de quase morte faz-me dar valor à vida e eu gosto de quase asfixiar, lá abro a boca deixando que a água escorra por ela, adoro sentir a água morna nos lábios, amansa-os...

[Tempo]

Olho para as minhas mãos, já têm aquelas ondinhas que surgem quando passamos muito tempo dentro de água. Daqui a alguns anos estarão por todo o corpo ad eternum. Estarás ainda em mim escondido entre as ondas que me marcam a pele?

[Frio]


Começo a rodar a torneira da água fria, gosto do barulho que ela faz, é quase como a golfada de ar que sorvemos quando depois de muito tempo debaixo de água voltamos à superficie.
Num rasgo a água arrefece e um arrepio percorre-me todo o corpo, sinto a pele elevar-se, sinto que me sorris... gostas tanto disto como eu...

[Suspiro]


Não te consigo arrancar... não ainda.
Fecho a torneira, embrulho-me na toalha e limpo o vapor do espelho com as mãos.

Ela: Tanto tempo! Ainda estás viva?
Eu: Sim. [sorriso escondido]

[Pingos no Chão]

Engraçado... como pode um espectro ocupar tanto espaço...

domingo, 20 de abril de 2008

Cigarrilha



Cheiro forte de cigarrilha, não gosto, ainda assim gosto de olhar para ele... é quase como uma estátua viva que se esqueceu que o mundo que o rodeia existe. Sozinho, sentado, leva a cabo um diálogo indecifrável, se olhar muito tempo para ele quase consigo ouvir aquilo que ele ouve. Existem cerca de quinhentas vozes a falar com ele... como pode ele ouvir mais alguém? Como podem os outros dizer que está só?

Empregado: Boa Tarde. O que se passa? Estás triste?

Eu: Não.

Empregado: Estava a vê-la lá de dentro e estavas a fazer beicinho.

Eu: Não, é só mesmo um hábito brincar com os lábios.

Empregado: Dormiu muito?

Eu: Não, só o suficiente.

Empregado: Está com carinha de quem esteve na farra ontem.

Eu: Não.

Acho piada à falta de impessoalidade com que ele me trata e o freio que põe nele para não me tocar no ombro ou qualquer coisa do género. A frase com que vira as costas para ir buscar o pedido é maravilhosa: Se ficar triste chame-me que eu dou-lhe um beijinho. [Riso Prolongado]

O cheiro da cigarrilha volta e com ele a necessidade que tenho de analisar quem a fuma. Sentado, não é bem sentado é mais caído de corpo hirto na cadeira, braços apoiados na mesma, talvez para segurar o peso de todas aquelas vozes que vivem nele. Um café e um bagaço, o café para os olhos não se fecharem o bagaço para que as vozes se acalmem. E ali fica a focar o nada e a mexer os lábios em silêncio.

Acende mais uma cigarrilha, acendo mais um cigarro, o barulho envolve o nosso silêncio e apenas o nosso fumo se cruza.

Chega a minha companhia e quase colado o pedido. Este hábito de comer uma torrada e beber uma “meia de leite” parece ser interessante aos olhos de outros, eu desfaço o eventual mistério, é apenas um pequeno almoço fora de (das vossas) horas. E como se eu não estivesse presente o empregado fala de mim:

Empregado: Ela (eu) está triste.

Ela: Não está nada, acordou agora.

Empregado: Nah, esteve a chorar.

Ela: Pois, foi com saudades minhas.

Ele vai embora enquanto nós rimos demoradamente da situação.

Conversas.

Conclusões inconclusivas que afinal são meras constatações.

Uma salada de fruta distrai-me bem como o sol que espreita a esplanada. Engraçado como só hoje me apercebo que tenho quase sempre o mesmo ritual... deixo praticamente todos os pedaços de pêssego para o fim e apenas um pedaço de cada variedade de fruta que o acompanha. Hoje acabou em: cerca de dez pedaços de pêssego, um pedaço de morango, um de laranja, um de maçã e um de kiwi ( a banana e a pêra já tinham desaparecido).

Vai chover.

Mais uma cigarrilha, mais um cigarro. Eu falo comigo, ele... não sei.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Dispersão (II)


Anda em mim um zum zum... assim no cantinho, sempre a fazer pst pst e a querer acordar. Entre cigarros e cafés lá o vou atrasando, adiando, evitando.
Barulhinho irritante, latente.

Chego a casa vou para o quarto, pouso a mala, desligo o mp3, dispo o casaco, sento-me à secretária, ligo o computador, e-mails, música de fundo (sempre), cama.

Está a chover lá fora. Deito-me na cama, sempre ao contrário, gosto de pousar os pés nas almofadas (são quatro) e estar com a cabeça aos "pés da cama". Olho para a janela, este quadro que espreita para o que tantos chamam de "realidade". Engraçado... o meu quarto é o mundo de ilusão e numa das paredes está um quadro onde está pintada a realidade. Gosto de pintar a realidade. Gosto especialmente quando o quadro me mostra algo tão especial quanto a chuva, um pôr-de-sol que desce até às árvores, uns pássaros que pousam nelas de vez em quando, os carros que passam na estrada...

Lembro-me de ser miúda e imaginar (isto depois de longas conversas com a minha avó em que ela me tentava explicar quem era Deus) que havia um homem a quem chamavam deus que brincava connosco, da mesma maneira que eu brincava com os pinipons. Eu era deus dos pinipons, punha-os no ring de patinagem (era verde e cor-de-rosa) e rodava-os como bem me apetecia. Imaginava que esse tal deus, à semelhança dos meninos, desenhava as estradas e com os dedos empurrava os carros em direcção a um qualquer destino. Lembro-me também de pensar que ele era surdo, isto porque sempre que eu me aproximava dos pinipons não ouvia o que eles diziam e se eu não conseguia ouvir nada do que os meus bonequinhos diziam então deus também não conseguia ouvir aquilo que os bonequinhos dele diziam. A minha avó nunca entendeu o porquê de eu dizer que deus era surdo.

Lembro-me de passar horas a olhar para a televisão na esperança de entender como é que as pessoas entravam lá dentro. Lembro-me que durante anos mantive para mim mesma a teoria de que quem aparecia na televisão não era muito maior que uma formiga e que era a lente que as aumentava. Lembro-me de achar que quando desligava a televisão eles faziam festas e às vezes aproximava-me quando a televisão estava desligada na esperança de ouvir qualquer coisa do que lá dentro se passava.

Lembro-me de achar estranho que uma mesma pessoa pudesse ser outras de filme para filme e perguntar à minha mãe como é que tal era possível, se bem me recordo a explicação envolveu qualquer coisa do género "na vida real ela é X e isso nunca muda, depois de vez em quando pode fingir que é Y, W ou K". Lembro-me de pensar nisso e chegar à conclusão de que a minha mãe não percebia nada daquilo.

Lembro-me de olhar para o céu e pensar em como teríamos nós chegado aqui, em como conseguiam o sol e a lua estar lá em cima se não tinham asas. A explicação de que tinha sido deus nunca me satisfez, se eu não conseguia fazer isso então ele também não.

Lembro-me de preferir ir para casa da minha avó depois da escola por quatro razões, cozinhava sempre o que eu lhe pedia para o almoço, contava-me histórias de outros tempos, partilhava silêncios comigo e deixava-me sempre brincar à chuva, mesmo a saber que a minha mãe ia ficar chateada com ela.


Às vezes fico espantada com as coisas que lembro. Continuo a não acreditar em deus (embora a minha avó não goste), já sei como funcionam as coisas na televisão e sim continuo a maravilhar-me com o céu e o que está para além dele e aí sim eu sei que existem muitas forças, capazes de arrastar consigo corpos e vontades... corpos e vontades...

E pronto... chegou o zum zum outra vez... Talvez seja melhor ir fazer um cappuccino, não vá eu chegar a alguma conclusão sobre coisas que é melhor (por enquanto) não saber.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Imber



São fios.
Fios que se coadunam na perfeição.
Chuva. Som. Cheiro. Toque. Gosto. Divagação. Nostalgia. Não é saudade é nostalgia.
Não sei se já reparaste mas as árvores dançam sempre à chuva. (Como eu as entendo.)

A chuva tem qualquer coisa de maravilhoso. O som simples, martelante, sussurrante.
O cheiro a nada que tão bem reconheço.
O toque esguio, bate na pele e morre.
O gosto... a esse poupo as ilações, gosto de o guardar só para mim.
A chuva é quase como o choro do universo, e sempre que o universo chora eu acalmo esta barulheira que vive dentro de mim.
Gosto da chuva.
Gosto deste sorriso estúpido que ela me dá e que não sei pôr nas palavras.
Gosto de como o tempo passa sob a chuva, é um tempo que não dói. Posso ficar horas neste "nada" e no entanto tive tanto.
Chove. O mundo vive lá fora e o meu mundo continua vivo dentro de mim, mas quando chove... é quase como se uma orquestra se erguesse e tocasse a banda sonora que embala os meus pensamentos.
Gosto destes breves encontros com o saber. É como olhar através de um vidro, temos sempre a tendência miúda de esticar o braço e tentar chegar além... e mesmo não chegando sabe tão bem desenhar com os nossos dedos os contornos daquilo que o olhar sente (mesmo quando não vê).

[sorriso]

Consegues ver aqueles espaços entre a chuva?

São o meu silêncio...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ad arbitrium




Eras frio quando a noite foi brisa.
Foste quente quando o glaciar emergiu.
Curvei-te percorrendo-te a espinha com os dedos, desde o cóccix até à nuca...

[SabiasQueÉAíQueEstáAAlma?]

Olhaste-me. Sorri-te. Parei. Preparei-me para partir. Acendi um cigarro (parto sempre de cigarro na mão, talvez porque assim não me sinto tão só), virei-te as costas. Pegaste-me na mão e apagaste-me o cigarro. Queres que fique, queres ser tu a minha companhia.

[SabiasQueAMultidãoÉAMaiorDasSolidões?]

Queres matar-me, eu sei. Queres que morra em ti, mas não me apetece fazer-te a vontade. Já sei onde está a tua alma agora aguenta este meu poder.


[SabiasQueTemosUmaBorboletaNaCabeça?]


A cada beijo roubo-te um pouco de alma dando-te em troca um pouco do que é meu, ainda que não o entendas.

[SomosMetamorfoseCerebral.]
[OCérebroOCasulo.]
[OndeMaisPoderiaEstarABorboleta?]

...

Pouco me importa.


Não me importa o tempo, tenho tempo para ele.

Pouco me importa se me vês ou ignoras, não tenho tempo para ti.

Pouco me importa se o sangue me queima nas veias, pouco me importa se preciso de oxigénio em excesso para querer, pouco me importa que a chuva me molhe, é para isso mesmo que não uso guarda chuva. Pouco me importa que o sol me queime, gosto da luz. Pouco me importa esta merda toda que apregoam, o que quero é diferente. Pouco me importa que não me entendam isso é apenas sinal que me vêm melhor que o que possam pensar.

sábado, 12 de abril de 2008

Simbiose



Não somos o casal perfeito mas combinamos muito bem.
Hoje apetece-me falar desta estranha relação.
Eu dou-lhe a mão ele dá-me o corpo, deixa-se queimar em mim sem problema algum. Gosto e por isso mesmo não o abandono.
Bebemos café sempre em conjunto, podemos até permitir companhias alheias mas no fundo ambos sabemos que seremos sempre um momento completo e, sim, egoísta.
Ele nunca fala e entende como ninguém o meu silêncio... e é tão fácil dizer "amo-te" sendo tu assim.
Acompanhas-me em horas que se perdem, em olhares que se cruzam, em conclusões que não se atingem. Beijas-me o sorriso e escondes-me os medos. Sim, não me esqueço dos segredos que roubas ao meu silêncio. Beijo-te, enquanto outros me perguntam o porquê deste vício.

sábado, 5 de abril de 2008

Verdade Silenciosa


Um corpo esmifrado em esperas inúteis de quem não bate à porta. De quem não mata o tempo... nem sequer o vento sopra.

Um corpo cansado da ausência de outros e farto da presença de tantos iguais. Corpo que ja nem sente, ressente.

Ergue a mão à noite vermelha das lágrimas não derramadas... das esperas acabadas em pressas que não chegam.

Pergunto-te: Sentes-me?

Não ouço sequer a resposta... mas pode alguém sentir um corpo inexistente na terra?

Encerra aquilo que ditámos em silêncio. Apaga a espera e mata o tempo sem ressentimento do que deveria ter sido.

Minto-te ao ouvido e retomo a verdade com o olhar, cabe-te a ti, só a ti destapar a verdade. Verdade que não tem idade, vontade, saudade. Verdade apenas, sem cenas que possam exemplificar aquilo que te estou a mostrar.

Somos teia no jogo da sedução. Eu dou-te o sangue para desenhares tu dás o dedo que traça o rumo. Come-me o medo e apaga o tempo.

Pergunto-te... consegues traduzir o silêncio?

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Cinza de fogo ensopado


Nas cinzas do fogo ensopado te perco e te encontro. A história futura do passado ausente.

E sente?

Sim, suponho.

Se o colocar em recipiente de barro... será que esbarro o sentimento? Um momento, tento, aguento... rebento!

Furacão. Fogo. Cinza que roda em chuva e vento no turbilhão do sentimento. Invento. Sento. Movimento de rasgão.... hum.... ainda não.

Sopro-te. Longe longe longe. Ainda para mais longe.

Sorvo-te as memórias... as histórias e mando-te embora inconsciente, permanecendo deste lado ausente.

Quente. Cinza quente que ressente o que se mente. O que se inventa no sentir. E seguir? Como é? De onde se vai partir? Parte-se do vidro que se esmifra em pedaços desiguais... para chegar ao nada... nas cinzas desse fogo onde te perco e me encontro entre assombros de presente inaudível em silêncios. Minutos... Segundo.

Sopro.

Eu.

Tu.

Puff.

terça-feira, 25 de março de 2008

Pestanejar


Escorreste-me entre dedos, durante a chuva, em dó menor, num dia ímpar.

Eras subtil na barulheira que causavas. Eras negro entre luz e luz na eventual escuridão. Circunstancial em todo o caso, maioritário em caso algum.

Sorvi-te a conta gotas para que te esgotasses mais lentamente. Mas mesmo assim não te poupei o fim. Fui vampira em segredos de arrastão. E então? Não tiveste segredos tu também??

Para quê mentirmos em algo que grita por simplicidade. Ser simples é ser honesto. Apenas.

Rasgo-te em fechares de olhos. Apago-te. Sem escapatória possível. Não podes controlar a minha memória. O meu cérebro. O meu querer. Sim quero que te apagues. Não te apago eu, desapareces tu e as minhas memórias vão contigo ao sabor do pestanejar. Não pode ser diferente e indiferente simplesmente não foste.

Lembro-me da doçura do toque. Antes bem antes. Quando mal me olhavas nos olhos... falta de coragem, lembras? (Pestanejar) Lembro-me do cheiro da pele... impossível de reproduzir, não sei que cheiro é esse mas não há perfume que o camufle nem pestanejar que o apague. (suspiro) Lembro-me do gosto a amora silvestre... tinhas um gosto delicioso povoavas a minha boca e a minha língua como nunca ninguém o fizera antes. (sorriso/pestanejar) Lembro-me dos abraços aveludados, veludo vermelho, sempre quentes, recheados de sentimentos e chocolate. Como esquecer? (cruzar de braços)

Lembro-me de como me esperavas à porta, sempre a ocupar um degrau, pé irrequieto, dedos a balançar no cotovelo. Tenho saudades de quando esperavas por mim. Quando eu era a razão que te fazia esperar... sim tenho saudades mas essa é uma palavra que jamais se mata. (Pestanejo)

Daqui a um tempo finito mas indefinido o sol virá, em dia par. Com ele o pestanejar acabará. Terei que te fechar os olhos e ter-me-ás já escorrido entre os dedos, já sem chuva e possivelmente já em mi mas sem mim. Porquê? ...a isso sorrio apenas...



)pestanejar(

terça-feira, 18 de março de 2008

Confissão


Confessa. Pede.
Munido de tambor gritas,
o que queres que ouçam,
por entre os acordes ensurdecedores do tambor.
Shiuuuuu...
Se queres que te ouçam arruma o tambor.
Assusta-te o chão e o céu. Ambos negros.
Terrivelmente próximo e
inevitavelmente longínquo.
Não te é permitido entender
o branco horizonte entre ambos.
Nua carrego as máscaras que camuflam, filtram, disfarçam o meu saber.
E eu sei, embora não te o queira dizer.
Caminhas na minha direcção
com tal desejo de superioridade
que o teu peso te crava os pés bem no chão.
Gostas de saber
mas não te é permitido o essencial.
Podes tocar o tambor quão alto
e ensurdecedor quiseres.
O sussurro será sempre meu.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Esplanada


Numa esplanada onde nada acontece acontecem, por vezes, coisas interessantes.
Uma mesa que reflecte o sol de Março (em detrimento das chuvadas), uma sombrinha sem sombra, um cigarro que queima, uma parede branca rabiscada por alguém que acha que faz arte, não contesto nem protesto passa-me ao lado, embora esteja de frente. Conversas abafadas pela música que me vai nos ouvidos. Os cães que me olham, a crítica por beber um galão em hora de almoço, por estar só com um jornal e um caderno, ah não esquecendo o cigarro claro (companhia de esplanadas em dias que correm), o empregado semi engatatão que manda as suas piadas na tentativa de sacar um número de telefone, ou algo mais... O filho que vem beber café com a mãe...ou será uma amante?...hum...abstenho-me desta observação. As bengalas que ajudam a segurar o peso do que outrora foi vida galopante... Os táxis que ajudam a chegar mais rápido a sítio nenhum... As vozes. Sempre as vozes. Os pés que batem na espera de um autocarro que vem sempre fora de horas. Os barulhos, os cheiros confusos. De novo o empregado... tem medo que o sol "me seque". Quero la saber do sol seu tolo. (risos prolongados)
Mimam-me as pessoas. Acordam-me os cheiros.
E tu? Que estás aí a fazer?
Ops... interrompida por um som interessante, voz rouca... "Desculpa interromper. Tens lume?" Respondo: Claro.
(Riso) Quando nada acontece acontecem coisas giras... ah! Afinal não era amante... era mesmo mãe. Abstenho-me do restante.

[Nota de Rodapé: Obrigado a ti que me deste a conhecer esta maravilha de música, Uncertain Smile dos The The]

segunda-feira, 10 de março de 2008

Abraços


Tinhas perfume a jasmim quando te encontrei pela primeira vez. Queimavas e emanavas o teu odor como se fosses incenso... Quis-te. Despertas-te em mim a vontade de te incendiar e invadir o meu quarto com o odor a ti. Se te disser que te quero acima de tudo minto, claro. Mas não se disser que te quero ter. Apetece-me queimar-te as minhas iniciais no peito, marcar-te a ferros.
ABRAÇAS-ME.
Diz que o amanhã não me vai fugir. Preciso ouvi-lo de ti. Acredito na mentira se sentir nela a tua voz, o teu cheiro. Adoro que me mintas. Fico feliz quando pensas que acredito. Quando me crias frágil e incapaz de discernir.
ABRAÇO-TE.
Odeio que não me vejas, que não me entendas. Não minto mas as perguntas que colocas despoletam sempre respostas inconclusivas que mesmo assim queres, nas quais não vês as reticências que ficam no rasto.
ABRAÇAMO-NOS.
Chamas-me miúda. É sempre mais fácil quando me reduzes a uma miúda. Justificas assim aquilo que não consegues argumentar. Fazes-me rir, é por isso que te abraço, porque não consegues sentir que já te estou a fugir.
Não nos prendemos. Compreendemo-nos nesta discrepância de entendimentos.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Interlúdio


Sentada no banco o sentimento era primaveril.

O tempo passava. Quieto. Silencioso. Delicioso.

Era tempo de pensamento vago. Sossegado. Sussurrante.

Desculpa se não te vi passar por mim mas vi tantas outras coisas entretanto.

No pó do vento certezas vieram embaladas pelo cheiro da estação, dançando em bicos de pés.

Desculpa se não te ouvi mas ouvi tantas outras coisas entretanto.

Minuciosamente contei quantas contas aquele fio tinha. Depois quantas tinha de cada cor. Naquele momento importaram-me as contas e não o significado do fio.

Desculpa se não te entendi mas entendi tantas outras coisas entretanto.

Sinto agora aquilo que não digo por não o saber fazer. No pó do tempo se arrastam as palavras.

Desculpa se te senti mas é do entretanto dos sentidos que vivo.

terça-feira, 4 de março de 2008

Inspiração


Vem assim
do som da harpa.
Frágil.
Negra disfarçada por branco.
Pureza.
Acordes ditados pela escura condição humana.
Harmonia da descoberta.
Ambas, obra e orquestrador
em perfeita sintonia do saber
sem razão, sem explicação.
Inspiração apenas.

sábado, 1 de março de 2008

Montale



Contrariamente ao que vem sendo regra hoje vou postar um poema alheio, de Eugénio Montale, poeta Italiano. Para mim é o poema que melhor define o que é a poesia, seria um pecado não partilhar :)



A POESIA

I

A angustiante questão
se é a frio ou a quente a inspiração
não pertence à ciência térmica.
O raptus não produz, o vazio não conduz.
não há poesia no sorvete ou no espeto.
Tratar-se-á antes de palavras
muito importunas
que têm pressa de sair
do forno ou do congelador.
O facto não tem valor. Mal estejam fora
olham em volta e têm ar de dizer:
que estou aqui a fazer?

II

Com horror
a poesia recusa
as glosas dos escoliastas.
Mas não é certo que demasiado muda
se baste a si mesma
ou ao aderecista que tropeça nela
sem saber que é
o seu autor.

[tradução de João Manuel de Vasconcelos]

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dispersão


Dá-me um palco. Baixa as luzes e esconde-te no fundo da sala sem que eu te veja.
Dá-me as coordenadas e poderei ser todas as personagens que quiseres.
Todas elas imperfeitas mas ainda assim todas elas.
Todas elas incompletas mas ainda assim todas elas.
Plena nas minhas reticências...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Diálogos


*O que fomos?
- Não sei.
*Sonhos?
- Não.
*Acho que sim...
- Invenções.
*Quando deixa um sonho de ser uma invenção?
- Um sonho pode ser vivido, tornar-se real. Uma invenção... uma invenção nunca corresponderá ao real...
*Fomos invenção sim. Desenhámos corpos, momentos, sentimentos, vontades, verdades... E quando nos mostrámos reais... eramos outra coisa qualquer, um rasto... que simplesmente não queremos percorrer.
- Talvez isso.
*Talvez algo...
- Talvez qualquer coisa.
*Fomos.
- Eu sei.
*Nada.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Para a Malmequer




RUN.

GO!

Wind...


Vento.
Isso mesmo. De pés descalços no verde da esperança.
Corres no chão em busca do voo para a liberdade, descalça.
No rodar da saia procuras uma fuga. Menina que sorri para a liberdade. Menina utópica que sente com o vento no cabelo, o sol no olhar, a liberdade no sorriso e os sonhos na roda da saia.
Mulher fatal que mata com o olhar e beija com a sabedoria.
Menina-mulher livre, presa à utopia da liberdade. Corre no vento e enquanto não voas... continua a rodar de pés descalços no chão da tua realidade, aquela que os pés de outros não sentem, aquela que é vulcão para outros... enquanto para ti é apenas um rodar.

VOA MALMEQUER!!

De um outro plano eu te sorrio...

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Fim.



Na curva da estrada perdemo-nos.
Talvez nunca devessemos ter-nos encontrado. Mas e se não o tivéssemos feito? Sabê-lo-iamos?
Continuaríamos a pensar que sim... eventualmente, equívocamente.
Queremos muita coisa parecida, mas não um ao outro. Soube-o quando te vi, mas tenho este hábito de não saber dizer que não e, de certa forma, explorar os outros... vícios.
Talvez fosse suposto pedir-te desculpas, mas isso é algo que não tem lugar. És um quinto daquilo que mexe comigo (mas a parcela que me preenches...resulta muito bem e daí o equívoco). Daí a necessidade de ir ao encontro... saber.
Sei-o. Ainda bem que erramos, faz crescer. (Sorri, acabei de te beijar agora, o mais sincero dos beijos)
Construímo-nos de tal forma em palavras que a realidade nunca poderia existir, não daquela forma... Sem que isso tenha mal algum, arranhar os joelhos faz bem.
Seremos o cheiro de um café, o toque de um telémovel ou o bater de umas teclas talvez. Possívelmente. Eventualmente. mente. Ou apenas um sorriso em divagações esporádicas.
Que felizes são os tolos que arriscam... é o que me apetece dizer.
Fim.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Gavetas...





Gosto da terra nos sapatos. Gosto de sentir a sujidade no rasto e observar as marcas que ficaram para trás. Trazem-me lembranças, fazem-me sorrir.
Tenho este vício de percorrer caminhos "antigos", anteriores. Esta mania de dissecar as coisas. Gosto da forma como o meu cérebro agrupa o passado em gavetas que insistem em não estar trancadas, e que o presente abre constantemente.
Pecorrer o mesmo caminho jamais será percorrer o mesmo caminho. É olhá-lo de um outro ângulo e ver uma coisa totalmente diferente.
Vivo desfasada do Presente, vou sempre à frente ou irremediávelmente mais atrás. Não sei se sou eu quem não acompanha ou se os outros não me sabem acompanhar. Sei que os outros não conseguem ver-me, não alcançam o que há em mim, camuflado, escondido. Aquilo que nem a mim mesma mostro muitas vezes, talvez porque ser normal é mais fácil... Talvez por ser mais fácil mostrar um armário limpo, com gavetas polidas e meticulosamente organizadas, sem mostrar a desorganização que vai dentro delas. Não é uma regra geral, mas aplica-se muitas vezes.

...


É por isso que gosto de percorrer estes caminhos de terra, fazem-me sempre arrumar mais uma gaveta.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Para o menino do Mar


O som do mar fez-me olhar-te nos olhos. Embalada. Anestesiada. O mar acalma a luz da lua que me invade. Me domina, que não entendo. Estas duas metades que vivem juntas, em mim, mas não se entendem, atropelam-se. Estes sorrisos que beijam as lágrimas, as elações bem fundamentadas que escondem as questões flutuantes. Estas metades que lutam com pedras e flores. Esta doçura que sobrepõe a estupidez. Este mar que esconde a lua.
Não. Não sabes. Mas obrigado por me olhares nos olhos e me embalares. Por me dizeres aquilo que não sabes que ouço, que entendo. Obrigado por não saberes e continuares o teu caminho enquanto eu tento saber qual o meu.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Sangue incolor


...

E veio o sangue.
Sem o vermelho. Incolor.
Sangue que brota sem dor.
Bebo-o na esperança de algo.
Não digo o quê porque não sei.
Sangue sem vermelho.
Sangue sem cheiro.
Sangue sem dor.
Sangue sem alma.
Sangue incolor.
...

ora vamos actualizar/7merdas

Antes de mais peço desculpa a todos os que aqui dão um pulinho de vez em quando pela ausencia mas foram tempos difíceis :) pedidas as desculpas vamos ao que interessa

Minha querida LNeves muito obrigado pelo miminho :) não vou seguir a corrente por uma questão de coerência comigo mesma, e por achar que não me cabe o papel de dizer que este ou outro blog são melhores ;) eu sei que me vais entender. Ainda assim é para mim um prazer e um enorme elogio saber que uma menina tão especial como tu gosta daquilo que escrevo e por isso mesmo exibo o prémio que me atribuis-te :) uma beijoca enorrrrrrrrrrme ;)

e só porque foste tu também que lanças-te o desafio aqui vai

7 merdas que sei fazer bem:

- rir (sou perita no assunto)
- fazer grandes filmes na minha cabeça com pequenas coisas
- conversar (adoro)
- divagar
- não fazer nada (sou peritissima na arte de não fazer nada)
- ouvir
-dizer coisas estúpidas (consta que sim)

7 merdas que não sei fazer (de uma lista tremenda reduzi-me a 7 tópicos):

- pôr compras em sacos (é verdade)
- milagres (nop... não consigo)
- voar (pelo menos não a nível fisíco)
- ouvir piropos (não sei lidar com isso)
- dizer que não....
-discutir com alguém (seja quem for)
- costurar (eu bem gostava de ser prendada... mas não sou)

7 merdas que digo frequentemente:

- "ADÓOOOOOUUUUUU"
- "Abençoadas"
- "E não é sempre assim?"
- "Regra Geral"
- "Talvez"
- "Não sei"
- "Era só o que me faltava"

7 merdas que aprecio no sexo oposto (limito-me a 5):

-voz
-olhos
-mãos
-fazer-me rir
-saber falar "comigo"

7 merdas cinematográficas:

lamento mas este fica em branco gosto de tanta coisa que 7 não me parece um numero justo... tanto não é que nem me lembro de nada :)

e só porque não sou de correntes não a vou passar a ninguém... espero que ninguém se chateie comigo :)

uma grande beijoca á LNeves por me meter nisto (e vês como não sei dizer que não? :P)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Nada


O não dito.
O nada.
Tem sempre mais valor.
O não dito apenas se sente.
Dói nas entranhas de um sentimento,
um qualquer, pode até ser nenhum,
E arrasta-se no silêncio do nada.
Não dito.
Vale mais que mil palavras.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Escorre



Escorre, como a água pela pedra.
Como a chuva pela face.
Escorre, como o sol entre os ramos.
Como a luz na pele.
Escorre como vento entre as ervas.
Como a brisa pelo corpo.
Escorre como o som do sorriso.
Como a fome do olhar.
Escorre como a cor incolor.
Escorre sem som mas com vontade.
Escorre por mim. Em mim. Comigo.
Escorre e fica.
Escorre como as palavras.
Escorres?

sábado, 12 de janeiro de 2008

Encosta-te a mim

Encosta-te a mim
por momentos.
Sem medo.
Sem antes.
Sem perdas
Sem ganhos
Sem nada.
Encosta-te.
Pelo menos uma vez
Encosta-te ao meu peito quente.
Sim, ele sente.
Encosta.
Pousa as noites mal dormidas
As horas roubadas
Os sonhos assombrados
Pousa.
Encosta-te.
Nos dias em que não estou
Nos momentos em que não vou.
Nos espaços em que não sou.
Encosta-te a mim...
Assim...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Desenha-me um sonho


*Desenha-me um sonho.
-Não sei.
*Sabes sim!
- Não.
*Não sejas um velho rabugento.
-Não sejas uma criança mimada!
*Sempre que peço não o fazes. Depois quando viro as costas apressas-te a pegar-me na mão e a mimar-me.
-Como queres o sonho?
*Desenha tu, para mim. Um sonho, um lugar para mim.
-Fecha os olhos. Quatro paredes. Paredes feitas de chuva que cai deliciosamente. Uma janela com um pôr de sol, laranja e vermelho, que quase foge. Tecto e chão de nuvens, bem brancas, gordas e fofas! Num dos cantos a lua, bem brilhante e redonda. Deitas-te nela, com o teu pijama de palavras brancas e as duas tranças que te caem pelos ombros. Abraças a almofada de música e cobres-te com a manta feita de estrelas. Sorris. Fechas os olhos. A janela de pôr de sol envia-te uma brisa em tom de despedida. E ele começa a vir...
*O sonho...
-Sim.
*Quando queres nem és um velho difícil de aturar.
-Quando queres és uma criança que dá prazer mimar.
*ihihihihih
- Vive o sonho. Boa noite Ariane...

sábado, 5 de janeiro de 2008

Caixa de música sem som


Guarda
sons mudos
ouvidos surdos
faíscas de chuva
gotas de sol
cheiros escorridos
gostos cuspidos
toques sem sentidos
ventos tempestuosos
sopros sugados
recados sem mensagem
esquinas sem saída
vidas sem coração
apertos sem mão
borboletas e metamorfoses
que cheiro com um pestanejar...

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Caminho...


Colhe as frutas das árvores que encontra pelo caminho
Pêra, maçã, laranja, limão...
Colhe e coloca no cesto que traz na mão.
Saltita pelo caminho... Canta alegre balançando o cestinho.
Vai. Sem medos. Não há sequer lobo mau que a assuste.
Pensa. Tropeça.
Nunca pensara antes...
Porquê este caminho? Como? Para onde?
Fizeram-no para ela... e porquê?
Porquê e para quê ela?
Onde, como e quando a escolheram?
Atalhos... existem?
Porquê aqueles frutos?
Porque não morango? Uma manga? Um ananás?
Nem sequer gosta de maçãs!
E se o lobo mau vier agora? "Tenho medo"... Sente agora...
Não sabe para onde... como... nem porquê...