quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Night Air

O som.
O acorde.
O ritmo.
São como corda para o movimento. Ainda que o corpo se resigne a mente não.
Por vezes basta uma música. A banda sonora da minha vida, os momentos que acenderam e apagaram ao longo destes poucos mas tão longos anos…
Há as músicas que lembram o passado, momentos específicos, que por elas foram acompanhados ou mesmo criados, e depois há as que apelam ao recôndito da memória, as que vasculham por entre nós e tiram da poeira caixotes que armazena-mos ao longo do caminho. Gavetas desarrumadas, folhas soltas. Sons, palavras, toques. Tudo o que passou e ficou.
Noite, música e memórias. Intoxicações etéreas, rasteiras.
E sempre de todas as vezes a vejo, a menina que se aninha ao fundo da cama, de cabelo emaranhado, pijama dois tamanhos acima, de ursinhos, ouvindo as músicas e as histórias que quer viver, que quer sentir… se ela soubesse, se eu lhe pudesse dizer, explicar, onde ela irá, onde chegará, o que viverá. Se eu pudesse dizer-lhe que vai ser tudo tão rápido e fugaz, se eu pudesse sussurrar-lhe ao ouvido tudo o que agora sei… teria sido diferente? Teria o mau sumido? O medíocre sido ignorado e o bom repassado?
Por vezes a única coisa que parece fazer sentido é fechar os pensamentos em cofres e deitar a chave fora. Mas não desaparecem, nada na verdade desaparece, pausa-se.
E ela continua lá, bebendo tudo aquilo que deseja, tudo quanto quer ver, ser, viver. Tão doce e inocente. Se eu pudesse sentar-me ao lado dela… Vejo-a, sinto-a, vivo-a. Escorre-me por entre os dedos, todos os momentos em que não soube fazer com que fosse diferente…
Corro pelo labirinto dos pedaços perdidos por entre as folhas de papel, o pó que não esconde o que foi escrito, dito, feito. Como uma traça atraída pela luz, tentando sempre voltar atrás, apanhar os pedaços, reconstruir os passos… uma vez e outra mais. A tentativa banal de me deixar entorpecer pelos momentos, outros momentos quando na verdade acabo sempre por voltar ao mesmo ponto.
E ela continua sentada bebendo da vontade irracional de saber onde irá… se eu pudesse sussurrar-lhe ao ouvido para esperar mais um pouco… saborear mais um segundo.

Do lado de cá do espelho abraço-me em solidão e vazio sorrindo-lhe por saber que ela ainda irá dar os passos que eu já tracei…