quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

impressão de pressão


Há no ar um cinzento enegrecido. Por entre as gotas vê uma impressão… Pressão que a empurra sobre si mesma... sabe a arrepios na espinha com travos a incerteza.
[Pestanejar]
O ar está carregado. Conta as paragens até chegar a casa. Não há vozes acolhedoras, não há sorrisos. Sente-se só entre a multidão. O vento gelado dá-lhe estalos segundo após segundo. Caminha acompanhada pelas folhas de Outono tardio que varrem o chão.
[Pestanejar]
Chora por dentro. Chora a falta de esperança, o desconsolo, o desamparo de si mesma. Chora em silêncio e sem lágrimas… e ninguém à sua volta vê o choro que o sorriso esconde… só…
[Pestanejar]
Atira a vontade ao chão e pisa-a nos intervalos da calçada. Está enegrecida do corre corre que por ela passa.
[Pestanejar]
Alma cansada. Indecisão contínua. Pensa que talvez os astros estivessem certos demais…
[Pestanejar]
Quer um peito onde acoitar-se, não um qualquer… aquele, apenas aquele mas hoje ele não está presente para silenciar o resto, não há mão, não há carinho há apenas o frio que invade o casaco e o parece querer arrancar do corpo… corpo frio, corpo sem rumo, corpo sem acção.
[Pestanejar]
Talvez não seja suficiente, talvez ela não seja tanto quanto pensam, talvez ela seja apenas nada… talvez ela não seja aquilo que esperam dela. Talvez seja apenas um vazio bem disfarçado.
[Pestanejar]
Talvez seja inconstante demais ou constante em excesso. Talvez não seja nada além de uma ilusão. Talvez não seja, apenas.
[Pestanejar]
O dia morre a cada alvorada, não há tempo marcado no calendário nem relógio que marque horas, os números apagaram-se e os ponteiros desfizeram-se… nem vento tem som, há silêncio fora dela… ou barulho a mais dentro… como diz, é sempre um questão de perspectiva…
[Pestanejar]
Quer chegar a casa. Quer bater a porta atrás de si e encolher-se no canto mais escuro do quarto mais escuro da casa mais escura do prédio mais escuro do quarteirão mais escuro do bairro mais escuro da cidade mais escura do país mais escuro do planeta mais escuro…
[Pestanejar]
Talvez desapareça no meio da escuridão. Talvez perca esta vontade no repouso do peito que anseia… talvez deixe de ser o “talvez” e o “não sei” que tanto a caracterizam… talvez morra… ela… ou eu… já nem sei.
[Pestanejar]
Há luz ao fundo do túnel. Pergunto: conseguirá brilhar com ela?
[Impressão de pressão...]

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alter Ego


Tropeçava nos caminhos que desenhava enquanto corria por entre as ervas do campo. Não era uma criança que seguia em linha recta, preferia os “zigue-zagues”. Colhia aquelas flores amarelas sobre as quais nunca questionou o nome. Estendeu a toalha que roubara da gaveta da mesa redonda que habitava havia já muito tempo na cozinha da avó. Do cestinho que tinha levado emprestado da dispensa tirou os ingredientes do seu lanche campestre, pão, geleia e uma maçã. Cruza as perninhas, ainda pequenas, e inicia o seu festim privado. Partilha com os pássaros as migalhas do pão e avista já as formigas que irão roubar o que resta da geleia. Enquanto limpa com uma mão a maçã ao seu vestido vermelho às bolinhas brancas estende a outra para alcançar o livro que roubou da estante do avô… ainda mal sabe ler mas gosta de tentar perceber aquelas histórias maçudas que saíam da cabeça de outros. Ama os livros já desde tenra idade, há neles uma magia que nada mais tem. Naquele quadrado onde passam imagens ela não pode interferir… as personagens já existem, já têm cor e vida que lhes é dada por outrem… também gosta dessas mas não pode mexer nelas, com os livros não é assim… nos livros ela pode participar na criação das mesmas… tem espaço, tem liberdade… enquanto trinca a maçã vai colorindo as imagens ao ritmo da leitura… diverte-se e o tempo passa. Quando for grande quer escrever histórias, não sabe bem quais apenas que as quer escrever…


[Tempo]


Espelho. No reflexo busca algo um resto, uma migalha de sonhos antigos. Nada. Percorre-se detalhadamente entre destroços do que outrora fora esperança.

[Lágrima]


Aquece a alma.

[Silêncio]

Pergunto onde está a sonhadora? Não há reticencias? Onde estão os castelos? Onde está a coragem?...

[Pestanejar]

Esqueceu-se dela algures por entre os campos que deixou de percorrer, algures por entre os livros que deixou de ler, algures no rasto de alguém que deixou de ser…

[Pausa]

No reflexo avisto um sorriso. Não dela. É outra…

[suspiro]

Há corpo presente no seu sorriso, há beijo, há toque, há sabor, há algum significado distinto.
A geleia e a maçã já não são iguais…

[Existe?]

[Resiste?]

[Silêncio]