quarta-feira, 7 de julho de 2010

Nascuntur Poetae

Não era ela quem ouvia.
Não era ele quem falava.

Conta-me a tua história...

Não tem pózinhos mágicos, fadas ou guião... nasci sem querer. Sim, isso mesmo, sem querer, arrancaram-me ao silêncio e ao vazio que ainda hoje amo e respiro.
Aprendi que há uma coisa à qual chamam espelho... não tem fadas do lado de lá para opinar ou encaminhar, tem apenas um reflexo que muitas vezes não reconheço... um avatar apenas... Posso ficar horas a olhá-lo sem saber quem está do outro lado, sem entender quem está deste. Inventei-me nos dias sem horas nem segundos, descobri-me numa cor, num cheiro, num som ou palavra. Monto-me em pequenas peças que encaixam sem razão aparente, sou um puzzle construído com peças perdidas... como uma amnésia instalada a ferros na razão.

E qual o teu nome?

O que quiseres.
Chama-me Margarida na Primavera...
Ariana no Verão...
Carolina no Inverno...
Joana no Outono...
Liliana durante o dia,
ninguém todas as noites.
O nome não te define, não te cria, não te desenvolve, é apenas um carimbo que arrastas contigo e que serve, talvez, para que outros te arquivem na sua mente.

A tua idade?

Sou da idade das gotas de chuva que deixo pousarem na minha mão... duro uma estação... um dia festivo... uma brisa? Ninguém sabe ao certo a sua idade, é tudo não mais que matemática feita para quantificar o abstracto.

Seria esse o teu Prefácio?
Não.

Como seria o teu livro?
Um gigante molho de folhas em branco... com um "Não sei" a substituir "Fim"

O mote qual seria?
Alguém que eu fui num dia diferente deste rabiscou que "Sou pó e palavras, pó que nasce do nada mas tem de um tudo, palavras que difícilmente nascem mas depressa se esquecem." Gostei dela nesse dia...

Quem és tu?
Quem sabe?

... mas ele disse "...Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama..."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Verbo ad Verbum


Chamo-te saudade vazio.
De mãos em concha onde apenas água escorre
onde se somem gotas como arco-íris,
vozes como duendes.
Giro a caixa de música sem bailarina e sem rodopio.

Tiro as sabrinas que já não uso
atiro-as à lama e olho a chuva desenhando-lhes abstractas imagens...

Ponho a flor murcha no cabelo, colhida do jardim que esqueci.
Deixo a joaninha e borboleta nela pousarem...
e rodopio em passos que não são meus

Imagino os labirintos das minhas veias
corridos a líquido negro
como criança que desenha em borrões de tinta
atiradas a folha nua...

O líquido rodopia já sem calor na chávena de asa quebrada
onde apenas giro o dedo pela boca... sem beber

Mordo a fruta suculenta
deixo que o sumo me escorra dos lábios até ao peito
como lágrimas... coladas na pele...

Leio com os dedos as palavras derramadas
e esqueço porque foram escritas quando nada na voz me olha...

E esqueço quem sou,
de onde venho
o que tenho
o que fui
onde estou...
E corro em remoinho sob a chuva, como se o tempo congelasse
numa imagem que já não é minha...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Purpúria




sem voz
lábios, dedos.

como se abraço ou som fossem inúteis.

Eu vi, tudo em tons resguardados a véu opaco.

Escondeste os sons aos meus ouvidos, os dedos ao meu corpo,
não tinha dias, horas, tempo banido. Mas vi.
Vi e vejo os atalhos que cobrem as longas estradas que crias-te para nós
em terra batida e barrenta... Vejo as marcas que os meus sapatos de falsa história
deixaram para trás, e que não quero apagar.

Não viu, não vê, nem verá. Mas eu sim.

Inventei-te por entre todos os espaços vazios
Pintei fora das linhas... mesmo sozinha.

Escondi-te por entre madeixas e cheiros
e ouvi tudo o que não veio dos teus lábios
em outras vozes... mais desenhadas...
mais profundas... mais fantasiadas.

Não há fim para quem não teve início...
Não há dor onde ninguém se iludiu...
Não há nós em linhas que não se cruzam...

Há imagens baças escondidas por entre olhares perdidos num horizonte púrpura
e músicas que roçam bandas sonoras sem película.

Há a memória que inventa espaços vazios
e os olhos que molham tantos outros repletos de nada...