quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Ás Vezes...


Ás vezes esqueço-me do tom, som e compasso.

Esqueço-me do espaço, traço...

Esqueço-me da idade, dos cheiros, dos tempos, da vontade ou mesmo da verdade, e moldo tudo numa perspectiva sem dono, destino ou intuito...

Ás vezes esqueço-me que nem todos voam, que nem todos vêm a mesma cor, que nem todos sentem em algo o mesmo sabor...

Esqueço-me que o sol pode ser amarelo... laranja... vermelho... que a lua pode ser branca... azul... amarela...

Esqueço-me que o voo pode ser curto mas a queda longa. Que a onda pode ser pequena mas a espuma muita.

Esqueço os baús recheados de memórias e segredos, silenciosos e invisíveis.

Esqueço a boneca e a borboleta,

como andar,

como olhar,

como rir,

amar,

odiar,

chorar,

brincar...

Esqueço-me por entre tudo o que são pós de metamorfose[s]

foto de Misha Gordin

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Vazio


tinta da china na ponta do dedo

descai pelo corpo desenhando feridas

lama

cama

chuva

lençol


cravo na carne esperança

tentando que o peito não sangre, que a mente cale.


espaço

passo

laço desenlaçado de prenda errada

nada que aponta para tanto...


corpo gelado, com arranhões que não deixam marca...


preto e branco em nojo

despojo de segundos mecanizados


asa quebra por entre o vento... as pálpebras consomem-se por entre as gotas de chuva


ela cai sem chão em mão que a apare.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

100


Senti-me sem sentidos




Vazia




Repleta...




Incerta




Distante



Imagem



Cor




Solitária




Inconstante...




Amena




Deambulante.




Verão e Inverno




Cave e sótão...




Sol e Lua...




Nua




Aconchegada




Pouco mais que tudo em nada...




Eu, ou uma outra que vive no canto do olhar...




Assim, sem...

terça-feira, 7 de julho de 2009


grito


sem dor

sem medo


grito


esconde-se por entre os sorrisos

abraços

toques


grito aninhado num peito que explode


não há guerra

nem luta


serpenteia nas veias que aquecem

nos olhares

nas palavras


grito


estala na chuva

voa no vento

faísca no fogo


grito


em cada passo sereno por entre a calçada gasta se esconde

por entre tudo o que em cada um acontece

aninha-se compilando tanto que não é...


GRITO!

segunda-feira, 29 de junho de 2009

souhait


[Suspiro]

Apetece,


por entre os poros escorre desejo... a conta gotas desliza pelo corpo...


pelo cabelo
pelos olhos
pela boca
pelo pescoço
pelos ombros...


Acaricia-a em tom caramelo achocolatado e escorre...


[Suspira... ]


O desejo aquece o peito e fá-la arfar
Rebola pela cama e amassa os lençóis...

quer sentir a presença na almofada
o calor no lado oposto da cama


Fogo que silenciosamente explode dentro de si


[Arfa]


Quer presença
Quer ter o corpo para colar à parede
Com o qual deslizar pelo chão
Quer sentir o toque...
O calor que funde num só...
Quer enterrar os dedos na pele
Morder os ombros
Puxar os cabelos
Perder o ar


...

Sentir...


Quer...


é vermelho laranja curvado na nuca
é amarelo fuschia rasgando o peito
é furacão aninhado nos lábios


e azul... azul no olhar cerrado que esconde de tudo o resto...

[Suspiro]

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Diferente


E assim ficou. Nadando em torno de círculos de areia.

sonha
recua
avança
saltita

céu
azul
azul
mar
cheiro a mar
grãos de areia
azul
ondas

Dança... Embala-se por entre o vento, brinca com os salpicos que a tentam alcançar e ri ao sabor desse som sem definição... um tom agudo, profundo, som...

o mar molhou-lhe os pés e sentiu-os enterrar na areia impedindo-a de rodopiar... e gostou... gostou que algo a fixa-se... pela primeira vez

sem rodopiar

sem saltitar

Sem círculos.


Diferente... foi um número diferente...

[A]penas que deslizam por entre asas

terça-feira, 16 de junho de 2009

Res Aliena


Escorregou da Lua.

Rebolou pelas estrelas até aterrar.

Descobriu não saber andar.
Descobriu não saber comer.
Descobriu não saber respirar, sorrir ou mesmo olhar.

Nem por isso se travou.
Seguiu.
Sentiu.
Provou.

Em espuma de incertezas caminhou buscando as interrogações das quais origem não sabia e das quais medo não sentia.

Pequena bailarina por entre uma verdade abstracta. De maneira exacta aprendeu a saltitar tudo o que no seu destino surgiu, ainda que sem o perceber.

[Espelho]

Onde estás?
Quem foste?
Quem és?
Quem serás?

Sinto falta de ti que não conheci, gosto de ti presente, da mesma forma que só tenho que agradecer ao que agora é passado.

[Noite]

Fogo escorre pelo pescoço em sentido contrário. Sopra ao ouvido estremeceres roucos. Molha os lábios e espalha calor. Roda um corpo contra a parede e impede-o de mexer. Olhares, apenas olhares por entre o resto.

[Suor]

Quem serás?
Onde estás?
Quem és?
Quem foste?

[Silêncio]

Reticentemente se aninha sobre si… olha as mãos e os seus desenhos, caminhos… serão sempre não mais que caminhos.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mariposa


Som de nada no fundo do círculo.

Dançam rodeados de vento azulado lúcido.

Quem são?
Quem sou?

Silêncio pontiagudo rasga sons que rodeiam o limite do espaço.

Pára
Olha
Roda
Toca
Busca
Desespera

Sem saída….

Completamente sem saída…

Vejo-a no cume do raio. Aninhada. Assustada. E contudo… feliz.

Vi-a outrora sem chão, sem piso para marcar, sem caminho, sem noção… vi-a só e querendo manter-se só. Sabia que talvez pudesse ser mais, mas ficava. Ficava sempre. Vi-a pequenina… semente, sim, semente, observei de onde veio e onde está. Feliz.

Há dúvidas que pairam

[Sempre]

Pondera o final.
Matar o espaço.
Rasgar
Libertar as asas
Voar

Conseguirá voar?

Arrisca.
Rasga o casulo.
Vai.

Voa Borboleta…

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Passava...




Passava.
Leve brisa.
Suave fervor.
Passava.
Nascia nos lábios.
Pescoço,
Ombro,
Peito.
Lábios.
Passava.
Aroma a doçura.
Frescura etérea.
Passava em jeito passageiro de viajante apressado.
Aperta.
Abraça.
Agarra.


Foge em compasso melancólico.

Baixa os olhos… olha para trás… é seguida por nada, deixa que o vento lhe empurre o cabelo para a face e assim esconda a lágrima.

Passava.
Pequenos passeios desalinhados.
Semáforos intermitentes.
Sol escondido.
Folhas rasantes.
Sozinha.
Passava.

Mãos na algibeira.
Música.
Pensamentos apressados, ruídos, amargos, destoados, solitários…
Passava pela vida hoje em tom de turquesa e ao compasso da chuva que não cai do céu.
Ping_Ping_Ping_Ping

quarta-feira, 11 de março de 2009

Desiderio


Corrói.

Amarra.

Estilhaça.

Rompe.

Estala!

Há uma luz escura que envolve o momento.

Cama mexida e nua ocupa o fundo de uma divisão.

Fogo. Calor. Suor. Sexo!

Há um caminho indefinido que chama, não é mão, não é voz, corpo, desejo reflectido no olhar.

Espinha amarrada ao ventre em borboletas, nuca inquieta, pele esquentada.

Quero.

Toque. Enlace. Quebra. Gosto. Roda. Sentir.

Faísca. A espinha caminha mecanicamente nessa direcção.

Leva-me. Arranca-me a mim...

Abandona o mundo e leva-me em silêncios que sussurram suspiros, faz-me tua em estremeceres suados.

O corpo evapora contra a parede fria. O peito arfa de encontro ao meu pescoço.

Não quero ver-te, apenas sentir-te.

Quero comer-te a boca em colheradas fartas, quero cravar em ti as unhas até que rompam a pele.

Quero-te em remoinhos aninhados que adivinham furacões.

Em mim, sobre, em torno, dentro, fora.

Rasga-me a alma e amassa-me o desejo...

Mata-me em voo de borboleta com asa queimada...



Sim?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Equação


Pesa.


Pesam os dias, as horas, os minutos, os segundos, até mesmo as milésimas.


Pesa a natureza, árvores, flores, mar, rio, ribeira, riacho...


Pesa o dia, a noite,o amargo, o doce, vontades, decisões...


Questões pesadas à discrição.


Diria que o mundo é obcecado com o peso errado... quanto pesa o mundo?


Quanto pesa uma palavra, um sentimento, uma acção no teu mundo?


Quanto pesa um sonho ou mesmo um sorriso?



Quanto pesam as minhas letras? Demasiado eu diria... nada, dirás tu eventualmente


Pesamos o mundo de forma diferente.


Como podemos ouvir uma voz que não tem som?

Como podemos calar uma verdade não verbalizada?


Esquece...

Esquecer parece difícil, mas é mais fácil que a aparência eventual...


Lembramos com cheiros... somos animais afinal...

Proust lembrava o cheiro de um chá e consequentemente a madalena que o acompanhava... o cheiro despoleta a recordação...


Os corpos têm inerente um cheiro inconfundível, que permanece cravado na memória... o tempo, o mundo e o seu peso inerente podem apagá-lo, sem presença do corpo não há cheiro... sem cheiro... eventualmente tudo o que não é importante se esquece...


[SabiasQueHojeMorri?]


Em doçura que me escorregou pelos dedos para ser desperdício no chão, sem mão que a acolhesse...


[Sorriso]


Não dói a doçura sem corpo onde acoitar-se, engraçado mas de facto não dói...

Dói bem mais a saudade de ser o chão frio de pedra inerte.


Se ao menos o mundo não pesasse tanto... talvez o som fosse audível...


Silêncio permanece então.


[QuantoPesaARessureição?]

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Janela


janela aberta ao fundo do quarto.


corredor de memórias indecifráveis.


equívocos, mistérios, susurros.


chuva como banda sonora e vento a moderar a temperatura ambiente.


Lembra a menina na rua que indiferente à chuva escolhe percorrer o caminho ziguezagueado e azul escuro da calçada do passeio, enquanto os pais zangados chamam por ela mais à frente,


Lembra que outrora fora ela a menina que fugia de casa para dançar à chuva...


Escuridão rasgada por linhas de luz.


frio


frio


nada mais que frio.


sem som, sem cheiro, alheia ao que a rodeia.


Voam, da vida fora da janela, sons


[que ela não ouve]


invadem o quarto e preenchem-no


ela permanece


vazia.


há quem a olhe,

há quem a beije,

há quem lhe fale,

há quem lhe dê,

há quem lhe tire,

há quem a ame,

há quem lhe tenha ódio,

há quem a magoe,

há quem a escute,

há quem a cale,

há quem com ela cruze...


Vê-la-ão por entre tanto que a rodeia?


[ela não vê]


Aninhada no canto direito oposto à janela respira notas de vida que se escapam por entre o vento, de olhos fechados imagina como será o azul, como será o sorriso de quem voa por entre braços de conforto, de quem não rasga sons e segue sem olhar para trás...


[ela não é]



terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Boa Noite



há um fogo


um respirar sem oxigénio


sem compasso


respiração que inspira nada mais que vazio.


Será?


Há os gritos... ao fundo...
O corpo manso na madrugada.
O fogo no adormecer do dia.


Haverá?
Por quem, em quem, com quem, como?


[lê baixinho por mim]


no calor que se esvanece por entre os lençóis lembra o corpo presente, antes, bem antes.


[Animais]



recorda
vive
lembra
esquece
constrói
reconstrói
destrói
rói-te em resmas de pontos perdidos por entre tempo espaçadamente esvaido
transparente
descrente
isso, ausente


[xiu]



compasso em dó...
frente...
pé ante pé... não vá algo acordar...


[explode]


corre
cai
tropeça
enrola
estende


[salta]


ri
sofre
morre
renasce
sê reminiscência de sonhos de criança
sê noite
sê fogo
sê longe
sê inexistente
sê presente no vazio
sê sonho... sempre sonho, o teu sonho, aquele sonho...



lembro os cheiros... sempre os cheiros...



[...]



Boa Noite