sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alter Ego


Tropeçava nos caminhos que desenhava enquanto corria por entre as ervas do campo. Não era uma criança que seguia em linha recta, preferia os “zigue-zagues”. Colhia aquelas flores amarelas sobre as quais nunca questionou o nome. Estendeu a toalha que roubara da gaveta da mesa redonda que habitava havia já muito tempo na cozinha da avó. Do cestinho que tinha levado emprestado da dispensa tirou os ingredientes do seu lanche campestre, pão, geleia e uma maçã. Cruza as perninhas, ainda pequenas, e inicia o seu festim privado. Partilha com os pássaros as migalhas do pão e avista já as formigas que irão roubar o que resta da geleia. Enquanto limpa com uma mão a maçã ao seu vestido vermelho às bolinhas brancas estende a outra para alcançar o livro que roubou da estante do avô… ainda mal sabe ler mas gosta de tentar perceber aquelas histórias maçudas que saíam da cabeça de outros. Ama os livros já desde tenra idade, há neles uma magia que nada mais tem. Naquele quadrado onde passam imagens ela não pode interferir… as personagens já existem, já têm cor e vida que lhes é dada por outrem… também gosta dessas mas não pode mexer nelas, com os livros não é assim… nos livros ela pode participar na criação das mesmas… tem espaço, tem liberdade… enquanto trinca a maçã vai colorindo as imagens ao ritmo da leitura… diverte-se e o tempo passa. Quando for grande quer escrever histórias, não sabe bem quais apenas que as quer escrever…


[Tempo]


Espelho. No reflexo busca algo um resto, uma migalha de sonhos antigos. Nada. Percorre-se detalhadamente entre destroços do que outrora fora esperança.

[Lágrima]


Aquece a alma.

[Silêncio]

Pergunto onde está a sonhadora? Não há reticencias? Onde estão os castelos? Onde está a coragem?...

[Pestanejar]

Esqueceu-se dela algures por entre os campos que deixou de percorrer, algures por entre os livros que deixou de ler, algures no rasto de alguém que deixou de ser…

[Pausa]

No reflexo avisto um sorriso. Não dela. É outra…

[suspiro]

Há corpo presente no seu sorriso, há beijo, há toque, há sabor, há algum significado distinto.
A geleia e a maçã já não são iguais…

[Existe?]

[Resiste?]

[Silêncio]

Um comentário:

lampâda mervelha disse...

Tudo é possivel, porque Viver, quase sempre é um milagre.

Beijo