quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Conta-me uma História


Conta-me a história de um entardecer romântico...
de uma criança que brinca sem crescer...
de uma tarde que se esvai em roxo e ventania,
de um chão onde desenham pegadas.
De uma janela onde canta um rouxinol
De uma varanda onde toca um papagaio
De uma areia onde se perdem palavras na espuma
olhares na brisa... sorrisos no sal...

Lembra-me que somos
Em que dia nascemos
Porque fugimos
Porque nos entendemos

Fala-me de músicas que não fizeram...
cores que não descobriram...
cidades fora da Terra
um mar no céu, um céu no chão
Pisar nuvens onde agora há areia.

Toca-me no ombro
apenas porque te apetece
apenas porque gostas
apenas...

Pede-me um desejo
Pede-me um segredo
Pede-me um medo
um dia...

Leva-me para longe
Leva-me para perto
Leva-me apenas... sem rasto

Rasga-me as roupas e inventa-me outras
Corta-me o cabelo sem medida
pinta-me a cara sem padrão...

Conta-me que a vida não é apenas respirar...
que caminhar não será apenas dar passos...
que Amar não é apenas dizer...

imagem retirada do Google

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Néctico


Enquanto caminhava olhava restos de Verão que passaram pelos meus pés.
Havia um peso... que eu ouvia, somewhere...
Respondi a algumas pessoas... ignorei outras. A verdade é que gosto de caminhar sozinha... e em silêncio, prefiro que me ignorem.

Quando era pequena achava que era esquisita, agora... agora sei que sou diferente de muitos, contudo suponho, mais próxima de alguns...

[...]

Olhei os ramos desfeitos pelo chão... esmifrados, nus por entre restos de almofadas verdes e salpicos vermelhos... Mataram a sombra na tangente do Verão...

Sorrio para o guarda que todos os dias tem o sorriso mais honesto e mais humilde que já vi até hoje... é de todos o meu preferido e nunca lhe perguntei o nome... realmente devo mesmo ser estranha aos olhos de alguns... (sê-lo-ei sempre aos meus).

Encosto-me ao muro antes de seguir até ao elevador. Uma bebé brinca sozinha por entre os riscos dos lugares de estacionamento, agora vazios. Tão doce e bela com os seus caracóis loiros e apertados e os curiosos olhos verdes que se envergonham sempre que se cruzam com os de outrem... inocente. Ainda nem sente o vento que lhe sopra sob as asas...

Sigo.

Carrego no botão e enquanto espero o destino olho um reflexo no espelho... corado, quase como se tivesse vergonha de algo... maçãs de rosto inocentes, eu digo. Não a reconheço por segundos, chego.

Chave... chave... chaaaaaaave... Chave!
Rodo-a para a direita, adoro que a minha porta se abra ao contrário. Bato-a e coloco apenas a pequena corrente, que adoro por me fazer lembrar todas as correntes que todas as portas de filmes têm...

Penso em quando era pequena e imaginava empregos "dos grandes", folheava revistas com letras que ainda não entendia e via outras... imaginava como seria levar outra vida, outras, ainda hoje o faço, doente... eu sei.
Lembro quando roubava os sapatos de salto e os fatos formais à minha mãe e os colocava... olhava-me ao espelho, sob as quantidades excessivas de tecido e o espaço vazio nos sapatos, e pensava que iria ser outra... irónico, agora apenas desejo sandálias e roupa confortável... Outra.

Tiro os sapatos com o seu alto salto e deixo-os no corredor desalinhados, abandonados. É quase como se aprendesse novamente a andar... Ligo a música. Sinnerman. Perfect Nina.
Abro o chuveiro e tiro a roupa enquanto a água aquece, deixo o vapor adensar-se no espelho... até a minha imagem ser não mais que um borrão bicolor perdido por entre uma mancha azul... Entro. Deixo a água queimar-me o corpo lentamente, Nina despede-se enquanto altero a temperatura. Não consigo ouvir a música que lhe segue, perde-se a melodia por entre o som da água contra o azulejo... deixo que ela me escorra do corpo e encha a banheira... apetece-me espuma, muita.
Deito-me entre as pequenas bolhas que flutuam... lembro-me de fazer de conta que a banheira era uma piscina, como um parque de diversões... hoje... será uma espécie de parque de purificação... ou qualquer coisa do género.
Recosto-me e deixo a água estagnar... sinto a pele contrair-se milimetricamente...
Volta a música, "Animal", canta ela com voz inocentemente profunda;

I change shapes just to hide in this place but i'm still... i'm still an animal...

Somos todos.

Deixo a mente saltitar em espaços perdidos, degraus esquecidos. De olhos fechados chegam-me "flashes"... de sonhos, pessoas, sorrisos, lágrimas, olhares, lembro cheiros, palavras... Passados ausentes. Como pode algo aparentemente tão pequeno guardar tanto. A memória tem botões interessantes... demasiado, deveras.
A minha fada de eleição, ultimamente, canta um amor cósmico ao fundo... Há acordes perfeitos...
Perdoem-me o egocentrismo, ou não pouco importa, mas acho que esta música foi uma oferta do universo para mim. Louca? também sei que o sou, obrigado.

Perco-me por entre tudo e nada daquilo que guardamos na nossa preciosa caixinha cinzenta... há agora um pshyco killer a berrar pela casa, se eu fosse um assassino psicótico qual o meu mo? Abrir crânios e sugar cérebros, sem grandes literalidades, sugar histórias outras, imagens, pedaços... hum... pshyco! Indeed...

A água arrefece, deixo-a escorrer pelo ralo antes de sair... chuveiro novamente... perco-me mais um pouco nos acordes de um amor que poderá separar-nos com sotaque francês.

Fecho a torneira.

Embrulho-me na toalha verde que não é azul e automaticamente dirijo-me ao espelho para limpar o vapor... vícios... Sorrio para o reflexo, coisas...
Quase em simbiose a chuva acompanha umas águas de Março lusófonas... e como chuva me traz nostalgia abro as cortinas e embrulhada na toalha escondo-me debaixo dos lençóis em suspiros de detalhes não partilhados... e assim fico perdida num bailado compassado em toc toc.

E algures num segundo desapareci.

imagem retirada do google

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Nascuntur Poetae

Não era ela quem ouvia.
Não era ele quem falava.

Conta-me a tua história...

Não tem pózinhos mágicos, fadas ou guião... nasci sem querer. Sim, isso mesmo, sem querer, arrancaram-me ao silêncio e ao vazio que ainda hoje amo e respiro.
Aprendi que há uma coisa à qual chamam espelho... não tem fadas do lado de lá para opinar ou encaminhar, tem apenas um reflexo que muitas vezes não reconheço... um avatar apenas... Posso ficar horas a olhá-lo sem saber quem está do outro lado, sem entender quem está deste. Inventei-me nos dias sem horas nem segundos, descobri-me numa cor, num cheiro, num som ou palavra. Monto-me em pequenas peças que encaixam sem razão aparente, sou um puzzle construído com peças perdidas... como uma amnésia instalada a ferros na razão.

E qual o teu nome?

O que quiseres.
Chama-me Margarida na Primavera...
Ariana no Verão...
Carolina no Inverno...
Joana no Outono...
Liliana durante o dia,
ninguém todas as noites.
O nome não te define, não te cria, não te desenvolve, é apenas um carimbo que arrastas contigo e que serve, talvez, para que outros te arquivem na sua mente.

A tua idade?

Sou da idade das gotas de chuva que deixo pousarem na minha mão... duro uma estação... um dia festivo... uma brisa? Ninguém sabe ao certo a sua idade, é tudo não mais que matemática feita para quantificar o abstracto.

Seria esse o teu Prefácio?
Não.

Como seria o teu livro?
Um gigante molho de folhas em branco... com um "Não sei" a substituir "Fim"

O mote qual seria?
Alguém que eu fui num dia diferente deste rabiscou que "Sou pó e palavras, pó que nasce do nada mas tem de um tudo, palavras que difícilmente nascem mas depressa se esquecem." Gostei dela nesse dia...

Quem és tu?
Quem sabe?

... mas ele disse "...Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama..."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Verbo ad Verbum


Chamo-te saudade vazio.
De mãos em concha onde apenas água escorre
onde se somem gotas como arco-íris,
vozes como duendes.
Giro a caixa de música sem bailarina e sem rodopio.

Tiro as sabrinas que já não uso
atiro-as à lama e olho a chuva desenhando-lhes abstractas imagens...

Ponho a flor murcha no cabelo, colhida do jardim que esqueci.
Deixo a joaninha e borboleta nela pousarem...
e rodopio em passos que não são meus

Imagino os labirintos das minhas veias
corridos a líquido negro
como criança que desenha em borrões de tinta
atiradas a folha nua...

O líquido rodopia já sem calor na chávena de asa quebrada
onde apenas giro o dedo pela boca... sem beber

Mordo a fruta suculenta
deixo que o sumo me escorra dos lábios até ao peito
como lágrimas... coladas na pele...

Leio com os dedos as palavras derramadas
e esqueço porque foram escritas quando nada na voz me olha...

E esqueço quem sou,
de onde venho
o que tenho
o que fui
onde estou...
E corro em remoinho sob a chuva, como se o tempo congelasse
numa imagem que já não é minha...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Purpúria




sem voz
lábios, dedos.

como se abraço ou som fossem inúteis.

Eu vi, tudo em tons resguardados a véu opaco.

Escondeste os sons aos meus ouvidos, os dedos ao meu corpo,
não tinha dias, horas, tempo banido. Mas vi.
Vi e vejo os atalhos que cobrem as longas estradas que crias-te para nós
em terra batida e barrenta... Vejo as marcas que os meus sapatos de falsa história
deixaram para trás, e que não quero apagar.

Não viu, não vê, nem verá. Mas eu sim.

Inventei-te por entre todos os espaços vazios
Pintei fora das linhas... mesmo sozinha.

Escondi-te por entre madeixas e cheiros
e ouvi tudo o que não veio dos teus lábios
em outras vozes... mais desenhadas...
mais profundas... mais fantasiadas.

Não há fim para quem não teve início...
Não há dor onde ninguém se iludiu...
Não há nós em linhas que não se cruzam...

Há imagens baças escondidas por entre olhares perdidos num horizonte púrpura
e músicas que roçam bandas sonoras sem película.

Há a memória que inventa espaços vazios
e os olhos que molham tantos outros repletos de nada...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pica Bu


uma voz perguntou "Como desaparecer completamente?"

Eu disse: "Tapas os teus olhos, como fazem as crianças quando brincam ao cúcú"...

Os acordes ouviam-se ao fundo... e senti-me entrar num outro mundo... um mundo em que brincar era o centro da existência

Imaginar mundos outros, fantasias incoerentes...
subir a uma árvore e fazer do ramo o meu navio
empurrar o baloiço e abrir os braços como se estivesse a voar...
roubar as roupas da minha mãe e pintar-me... fingir que era "grande"

Pensar tardes inteiras em quem ia ser quando crescesse...
Onde ia estar...

E no rodopio de uma canção... de livros... se passaram horas, dias, semanas, meses, anos...
E cresci... longe de tudo o que imaginei... apenas perto da fantasia.

24 anos que correm furiosamente rumo aos 25... e só a fantasia se mantém... as tardes perdidas olhando um horizonte que pinto com histórias sem sentido que guardo só para mim, que pinto apenas com as minhas cores...

E se fechar os meus olhos... continuo a fantasiar que ninguém mais existe... apenas eu, no meu mundo do nunca... que sempre ficou.



imagem retirada do google

sábado, 5 de junho de 2010

Tre


voz imperfeita, como imperfeitas são as razões de se ser. estar.

Ouço um som imundo perdido por entre flashes epilépticos. Indirectos. Inodoros.

Repulsivos, ainda.


Quero lama no meu banho

Quero terra no meu peito


Quero fins para que haja um início.


Quero o vício, aquele vício antigo de caminhar de peito aberto pelo caminho de outros.


Mas a condição é situação de desunião de mim comigo.
imagem Misha Gordin

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Due


Sim. Não. Talvez. Não sei.

Mecânica. Repetitiva.

Repito sons aos quais já não atribuo significado porque são banais. mortos. nojentos.

Bolhas.

Como se o restante mundo vivesse numa bolha e a minha jamais cruzasse caminhos.
Como se tudo fora de mim fosse um vazio por não haver sentimentos iguais.
Como se fosse existência sem vida, marioneta, boneca de porcelana partida.
Borboleta negra de tentar chegar ao sol e de asa partida por voos errados...

Árvore que apenas existe para um só local... e mover-se não mais que sob o sabor do vento.

Espero que ela venha, porque me parece mais certa. Sempre senti que lhe pertencia e cada vez mais quero que se apresse.

Se um rasgo voasse pela minha janela...
Se um som me soprasse no peito...

Se eu não fosse eu... talvez alguém fosse feliz.

imagem retirada do google

terça-feira, 18 de maio de 2010

Apud


havia um tempo, perdido no tempo do algures.. onde nenhures existia.

Cabia ao som marcar o compasso do passar... mas nada passava... trespassava eventualmente.

haviam caminhos sem trilho... passos sem marca...

deixámo-nos em compassos errados e errantes. escolhas desencontradas e quartos que queimam ao sabor da lentidão de um corpo que se funde.

Quem éramos no silêncio?
Quem fomos no fogo?
Quem somos na cinza?

havia um tecido que me abraçava em sentimentos não partilhados
e mãos que se colavam no invisível.

onde estão os restos?
onde guardas os segredos?
onde gritas os medos?

inverto o mundo e escolho o céu como chão.
deito a mão ao mar, acima de mim
e mergulho em voos de oceano
onde os peixes voam e as aves rastejam...

inverter o que sinto e nem no inverso encontro o fim

vou ao fundo do peito cérebro... torço-me em mãos de ossos... e continuas a soar-me a violino de peito quente...

se o tempo fosse outro
se o som fosse morto
se a voz do silêncio abafada...

estaríamos?

continuariam a ser as palavras do silêncio as que mais saudade deixariam?

Se não fosse eu, nem hoje
Nem tu, antes
Seriamos assim?
Estaríamos lá? Onde o chão está sempre 2 metros abaixo de nós?

Talvez no enfim, sem fim mas finalmente...
Onde a mentira é reticência de um final...

imagem retirada do google

terça-feira, 30 de março de 2010

Latente


Latente sossega o corpo dormente

Cansas-me o peito em canções mudas
Gastas-me os dedos em esperas penduradas em mesas de rua
Cegas-me o olhar inacabado no som do rasto

Simpatia incompleta repleta no espaço reticente.

Colo a tua mão ensanguentada ao meu rosto, pouso a minha mão sobre a tua.
Silêncio.
Espaço.
Compasso.
Sou brisa no teu medo, és lágrima no meu peito.

Olho-te. Dura. Fria. Negra. Fulminante.

Não te perdoo que não me vejas... nem mesmo no sangue das tuas marcas.

Somos um nada momentâneo. porque escolhemos sê-lo. apenas.

Colas o teu corpo ao meu em símbolo de harmonia
Preto no branco em face salpicada a sangue...
Brincas com os dedos nos meus lábios
pousas a mão na minha nuca e suspiras
suspiras em harpas descompensadas
presas em colares de missanga expostos em montras comuns.

Abraças-me em contra-baixo de corda vibrante

e abraçados sonhamos solidão em gotas de luz senil...

imagem retirada do google

sexta-feira, 26 de março de 2010

A latere



Perguntei
Onde estava o corpo e a mente
As memórias e os sentimentos
O toque que não vem
O sabor que não sinto

Quem estava no meu lugar...

Esqueci os passos do tango
O segredo do olhar
e até as palavras de seda
Escondi-me no canto à esquerda da janela
Olhei a escuridão de dentro

Não te vi

Ouço a tua voz ao longe
martelada a veludos certeiros
Mas não te vejo
Sinto apenas

Perguntei para onde voam os sonhos quando dormimos
Aqueles que me acompanham enquanto caminho
Que me beijam no vento
Que me acariciam na chuva

Perguntei quem me pôs aqui
Quem te pôs aí
Quem não nos pôs lá

Só por entre todos.

Ele não vê o cinzento... Nem o arco íris, suspeito
Não ouve as reticências no coração que deixo nu
debaixo dos lençóis

...entrancei as mãos no peito algures por entre o martelar que se esconde no cabelo
não vi o chão calcetado
nem a chuva
nem mesmo o céu cinzento
não vi o cheiro da multidão
a solidão do café
nem o som dos passos solitários.

Dou a mão ao vento livre
Esqueço-me nele

Abro um livro que não escrevi
onde deixo reminiscências de outros que não li
num tom melancólico de segredos subtilmente efervescentes debaixo da pele
branca do sol que recusa
Rasgo páginas em branco
salto parágrafos e negligencio a pontuação
numa criação que me transcende

Vi as asas que voam sem corpo
o fogo que queima sem oxigénio
o corpo que se alimenta na ausência
E a metamorfose que tarda em chegar

Vi a mão que embala a voz correndo o pescoço
os lábios que beijam a ponta do nariz
os olhos que entendem o que escondo

Afundei-me num poço que não era meu
Desenhei cópias imperfeitas de pinturas outras
e criei-me em devaneio...

Vomitei-te em borrões coloridos
amarrotei a tela e cuspi-te para o vazio do universo

Esquizofrenia letrada em significados ausentes

Perguntei
Não respondeu.

Vejo-te mais quando não te olho...

E as cores do arco íris jogavam xadrez com as borboletas...



Pintura de Jackson Pollock

quarta-feira, 24 de março de 2010

OutInside





Espelho a meia luz...

reflexo...

Quem?

Por baixo de todas as capas não se sabe
Retira as camadas de maquilhagem
As pinturas cubistas
renascentistas e rupestres
os arco íris e os borrões

De olhar vazio quis cortar o mundo de dentro do peito.
Rasgar o Universo
Arrancar os sonhos...

Por entre os camaleões e as metamorfoses não sabe quantas vidas perdeu...

Não se vê em pureza nua

deixou de se olhar tem tanto tempo que deixou de se ter nesse tempo...

Nem na nuvem
Nem na água
Nem no toque
Nem no gosto

prova a pele em busca de reminiscência...

Nada.

Sabe não ser uma folha em branco...
Mas por um minuto, apenas um minuto quis estar limpa de tudo

Do lado de fora...
no rosto jamais no olhar...

segunda-feira, 22 de março de 2010

Acácia


O campo era verde e eu corria.
O dia era banal e eu corria.
O tempo não existia e eu corria.
Podia ser ninguém mas corria.
Podia não ter alguém mas corria.
Podia ainda ser deserto ou livro em branco mas corria.

[YouWillNotDieWhoYouWereBorn]

Era uma alegoria de pureza por entre sons perdidos
Um quadro renascentista com apontamentos cubistas
Deuses confusos perdidos na religião geométrica
Um sol que brilha num buraco negro
Uma criança que corre no campo verde, atrás de nada e levando tudo na palma da mão...

[IFeelItAll,IFeelItAll]

O sol que queima um ombro nu
Uma esplanada de estranhos
Um gelado que derrete
Uma brisa promiscua que beija a todos
Um momento preso numa imagem

[I'mAlwaysInThisTwillight]

Sem saber perdido em sabores alheios
Passos de ferros enferrujados e verga moldada
Sons ausentes em sentimentos presentes
E pedaços que morrem ao passar do tempo...

E eu apenas não sabia que a brisa os podia levar...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Q


quero chorar num peito que não é o meu
num choro que não se ouve
num sonho que não se perdeu

quero dormir numa almofada sem o meu cheiro
num sonho raiado a luz
num suspiro que não ouço

quero aninhar-me num chão que não tenho
num frio que não existe
num morrer que vive

quero ver-te num tempo outro
num momento preso
num sentimento difuso

quero rasgar a dor
comer-lhe o coração
pisar-lhe o olhar

quero ser um não querer
inerte na dor
morto no saber

quero não ser eu agora
não voar de pés no chão
não sentir o mundo nos olhos
não te ver de olhos fechados... em todo o lado

segunda-feira, 15 de março de 2010

vryheid


vi um sonho
cascata em arco íris brilhante
como pássaros que livres voam rumo ao azul quebrando o branco
mãos que se tocam selando desejos comuns
sorrisos que se partilham em amor irracional

sons
sabores
arrepios em espinhas espirais

vi um mundo que não era meu
entrei

sinto o vento
a água
as árvores
unidas em diferença na igualdade...

unida a um desejo que queima no ventre e se exprime nos lábios.

acreditar
que há verde no horizonte de todos
brilho nos olhares mais escuros
doçura nas mãos alheias
força nos passos

e vou
corro na terra descalça
deixo os pés enterrarem no chão
grito sons desconhecidos ao céu
rio para a chuva
danço em mim com todos os que não conheço

sem medo
sem língua
sem nação

Salto!
Vazio
Branco

Apenas vida
Apenas una
Apenas sorrindo...

imagem retirada do google

segunda-feira, 1 de março de 2010

Uno.



Sopro aveludado em nuca de pedra púrpura.

Enterro a mão dentro do peito em busca de um tom bordeaux mas a única coisa que encontro são pequenas pedras de gelo rosa-velho...

Como se gotas de vida tivessem agora alterado o seu estado...

Chora ao som de um lamento alheio, chora-o como sendo o seu, abraça o peito e roda as ancas como se seduzisse um par na dança... Dança só... deixa que as sua mãos inventem companhia... escorrem pela face, ombros, braços, barriga, ancas, nádegas, coxas, desliza até aos pés... suavemente desliza até ao chão, rebola sobre si mesma, sem calor humano apenas o seu suor contra o chão frio. Rasteja e perde-se por entre a confusão dos sentidos. Sente toda a pele elevar-se numa onda eléctrica desde os pés ao pescoço... brinca com a sua mão fria alimentando o estímulo... Observa o corpo reagir em arrepio, rebola pelo chão e vê ao longe a marca do seu corpo nele... como se fosse de outro não seu.

Qual terá sido a transformação...

Pára a música, apoia uma mão no chão e levanta-se, observa-se no reflexo do vidro da janela, não se reconhece por momentos no calor que vem de dentro.
Vira costas à imagem e segue em passo flutuante até ao banho.

Veludos agrestes presos em reticências...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

wollen


Guardei-te debaixo da almofada.
Sem som. Preto e Branco. Filme.

slide esquecido algures.

Passaste por mim entretanto, mas não vi, ou não quis.

Hoje não deixaste que não te visse tocaste-me enquanto passava.

suspiro por entre o sangue quente que percorre o corpo...

escadas. quarto. porta. canto.

encostas-me no canto do quarto escuro, encurralada.
ajoelhas-te pousando a mão no pé nu de sapato perdido algures no degrau,
sobes em compasso reticente de quem não aceita deixar o momento morrer.
beijas-me o joelho e sobes...

mão, peito, ombro pescoço em sopro de sangue quente
boca
brincamos de lábios abertos enquanto as mãos exploram espaços outros.

subo em compasso de tic tac a tua espinha, enterro a mão no cabelo
suspiro no ouvido
beijos, unhas, carne, som, sabor...

ficamos colados em êxtase prolongado. sem olhar. sem falar. apenas colados em slide preto e branco de memória perdida na gaveta cósmica de um tempo em ampulheta suspirada.


imagem retirada do google

domingo, 17 de janeiro de 2010

Corpo Gémeo



é um choro que grita fora de tom em som agudo que rompe escalas
estrela esverdeada, contornada em tom de azul
como se todas as luzes estivessem acesas num quarto repleto de cegueira
como se as estrelas no céu não existissem

como se nada mais além de água vivesse no mar.

como se os degraus fossem invertidos
como se o voo fosse abaixo da terra
como se os passos fossem invisíveis
como se o toque fosse sem sentido
como se o coração não vivesse

é fogo amarrado em cinzas acumuladas
vermelho mofo
som mudo por entre as veias que se amarrotam.

[arfar]

vem soprar-me o voo por entre a escuridão
saltar do penhasco de olhos fechados e sorriso aberto
deixar-me ir na corrente sem medo do silêncio


[arfar]


puxa-me e leva-me a dançar sem sequer sairmos do mesmo sitio
faz-me dançar por entre o toque


[Pausa]


deslizas a mão do cabelo até à curva do pescoço
sinto-te como pedra de gelo que arrepia a alma
beijo sem ar
rasga-me o pensamento
acorda-me
acorda tudo aquilo que ainda é teu...

Não deixes que o sol nasça
quero ser por de sol eterno em ti
amanhecer ambíguo de noites tardias e suadas
de sorrisos partilhados em cigarros silenciosos de cama desfeita

[Arfar]


Deixa-me voar no teu peito...
como se o tempo não fosse
passado ou futuro inexistentes
presente apenas no momento em que explodem arco-íris em olhar demasiado presente na ausência.

Deixa-me marcar-te o corpo para que, mesmo no fim, não acabe.

[Silêncio]

Deixa-me não seguir... Usa o meu corpo e cala-me a mente...

[Silêncio]

Só hoje...
Deixa-me fazer de ti o meu casulo e das minhas asas o aconchego...
Em ti, só em ti...

[hiato]

foto retirada do google

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Comigo


Tirei do bolso a folha que havia um dia rasgado do teu caderno.

Desdobrei todos os quadradinhos onde te tinha colocado, um por um.

Não te vi nas palavras, nas linhas, nem entre elas. Não estavas.

Talvez tenhas voado com as asas que te colei na espinha. Talvez tenhas descoberto algo novo onde pousar os teus espaços.

Procurei um ponto de referência na ausência. Nada. Ninguém. Nenhum.

Sentei-me.
Horizonte sem cor.

Há uma brisa morna que passa por entre os cabelos que se colam nas costas desenhando curvas desmanchadas. Manchas de cor por entre o preto e branco que gravo na memória.

Espaços incertos. Indesejados. Contudo agradáveis.

Sem plano, sem espera. Fica à mercê de algo.

Pu-la sozinha. Por entre brechas de sons que não guarda no seu livro.

Porque sim, porque não, porque não sabe de facto... ou não sabe apenas o facto, um... nenhum.

Há dedos sem dono que brincam com desenhos alheios e tiram medidas incertas no vento.

Tempo de Nada. Ninguém.

Guardei-te assim em folha branca, que escolhi não dobrar, amarrotar apenas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pausa-me


raios no cabelo.
silêncio na chávena.
palavras no olhar.

Hoje vi uma libelinha, eu sei que não foi a primeira vez que isso aconteceu mas...

O sol adorna a pele pálida como agulha que fura tecido... ponto a ponto.

O cabelo voa ligeiramente dançando com o escasso vento.

Ele rega o jardim.
Ela vende.
Ele martela os sapatos.
Ela passeia as crianças.
Ele guarda.
Ela limpa.

Estão todos ocupados enquanto um lagarto azul e verde se tenta esconder por entre as sombras que escapam ao sol...

Amarelo, azul em pegadas suadas...

Vim ver-te na ausência da tua presença, vim ouvir-te em silêncio, olhar-te em conversa.

era gigante...