quarta-feira, 28 de maio de 2008

Passagem



Caiam as primeiras gotas de chuva, ainda nem era noite mas havia já aquele sentimento nocturno no ar.

Os compassos apressados para chegar a um destino. O cansaço alinhavado na linha do olhar.

[Olhares]

Há o vento e a chuva. Gosto de dançar com os dois.

[Perdição]

Há a criança que no colo da avó vê o meu lenço esvoaçar, com uma atenção fascinante. Sorri-me.

[Doçura]

Há os olhares que se cruzam e parecem dizer “Quem será ela?”.

Há os sorrisos que se cruzam sem razões aparentes.

[...]

Há as reticências que divagam pelo cérebro em busca de uma linha que lhes incuta sentido.

Há a música de fundo que encaixa na perfeição com o que vive dentro de mim no momento.

[chuva]

Há tanto que uma palavra não traduz.

[Vento]

O silêncio aparente num corpo que dentro de si mesmo grita...

[Cala-me a mente e enche-me a Alma de sorrisos...]

Há quem diga coisas em silêncio e quem as ouça com sorrisos...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Maravilhas Sem País


* Alice lembras-te do país das maravilhas?

- Não.

* É pena. Sabias que o coelho era o melhor cozinheiro do reino?

- Não.

* Sabias que a Rainha de Copas era uma simpatia?

- Não.

* Lembras-te do gato? Era o teu melhor amigo!

- Não.

* Pois... normal.

(...)

* De que te lembras Alice?

- Do tempo.

* Que tempo?

- O tempo onde o tempo não existia.

* No país das maravilhas?

- Não, na mente de uma criança.

*...

- É bom poder construir tudo na base da desconstrução...

terça-feira, 20 de maio de 2008

Ab abrupto






Sopra o vento em redor do nada que se abate na ponta do meu nariz. A fita do cabelo cai sobre os ombros enquanto os olhos se estendem pelo nada até ao limite do horizonte. Condiz a imagem com a condição e situação. Secam-se as lágrimas de um laço que agora se desaperta após combustão forçada. No rasto as cinzas desalinhadas desenham o chão.

Sopra o vento em redor do meu corpo que se aninha em incertezas, sopra e arrasta consigo as cinzas de um passado bordado com padrão incerto.

Sopra o vento e cai a chuva inesperadamente. Fecho os olhos e ergo a cabeça. Os cabelos e a fita dançam no vento enquanto as gotas de água me limpam a maquilhagem. Os borrões negros marcam o rosto como se lágrimas se misturassem na água. A verdade é que sinto o sal e o quente que se mistura com o frio das gotas.

Dói arriscar, dói mudar, dói mais ainda saber que temos que mudar, fere mais ainda o medo de estar frente a uma nova estrada que sempre soubemos que chegaria mas que enfraquece os joelhos.

[sorriso]

Sopra o vento em redor dos pensamentos desalinhados em mim e alinhados nas cinzas. Corre o tempo e morre o espaço. Acção inerte daquilo que pede não mais que calmaria. Pergunto-me se sim ou não... vem-me o talvez que é a constante desde sempre. E nem dói face ao insaber e insabor doce da indecisão.

Assim me deixo face ao calafrio do vento que do meu ombro sopra no ouvido.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Eles.


ela tinha um lenço.

ele um copo.

ela a chuva.

ele uma lareira.

entre ambos espaço e tempo.

ela tinha noites e amanheceres.

ele tinha manhãs e dias.

próximos e no entanto tão longe.

caminham sem se cruzarem no entretanto.

EU vi-te passar...

TU........??

ela é ela.

ele é ele.

Eles não existe.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Tanto Quanto



Não é tanto o destino quanto o caminho.

Não é tanto o ir quanto o vir.

Não é tanto o querer quanto o ter.

Não é tanto o olhar quanto o ver.

Não é tanto o imaginar quanto o sentir.

Não é tanto o partir quanto o voltar.

Não é tanto o fim quanto o início.

Não é tanto o escutar quanto o ouvir.

Não é tanto o quebrar quanto o colar.

Não é tanto o amor quanto a paixão.

Não é tanto o sim quanto o não.

Não é tanto o beijo quanto o abraço.

Não é tanto o nó quanto o laço.

Não é tanto o medo quanto o receio.

Não é tanto o belo quanto o feio.

Não é tanto o sorrir quanto o voltar.

Não é tanto o abandonar quanto o pegar.

Não é tanto o agarrar quanto o tocar.

Não é tanto o ler quanto o entender.

Quanto és para seres tanto?

Talvez não sejas tanto quanto isso...

domingo, 4 de maio de 2008

A contrario sensu


No canto esquerdo, bem no escuro, ao fundo da sala ele se esconde.

[Consegues vê-lo?]

E não estás. Nem na dor que me queima o peito e me verga a espinha nem na lágrima que me aquece o rosto em queda livre. Nas mãos que cerro ao saber, nos dentes que cerro à voz. Não, não estás aqui. Não comigo.

Bem no fundo da sala é onde te escondes... alinhavas-me sem que me vejas devidamente.

[Consegues vê-lo?]

Vejo-te sem o ver. Escondido. No fundo. No negro. No silêncio dos pontos de fuga...

A fogo lento queimo a alma que corre para ti.

Vermelho, apenas vermelho permanece no horizonte.

E tu? Tu escondes-te na escuridão...

Não é que não respire sem ti, nada de dramatismos excessivos, vivo sim. E faço-o bem. Mas já dizia alguém que sobra ar. E sobra de facto. Sem dono... sem sonho onde acoitar-se.

E não estás. Comigo.

[Suspiro]

Estar só é vício, habituei-me e não minto que gosto mas apetece-me um sopro no pescoço e um arrepio na espinha.

E não sabes.

No escuro te escondes. Te aninhas. Me acenas.

Sem mãos danço para ti, em voos baixos... rodopiando no ar que sobra, abraçada a mim, sem pés onde pousar os meus.

Sangrando nada além de ausência morro no teu peito... morro à medida que o cheiro se esvai do meu corpo, o teu cheiro.

[Não me faltas tu]

[Falta-me ele]

[Falta que ele viva em ti.]

Consegues ver-me daí?

...