domingo, 20 de abril de 2008

Cigarrilha



Cheiro forte de cigarrilha, não gosto, ainda assim gosto de olhar para ele... é quase como uma estátua viva que se esqueceu que o mundo que o rodeia existe. Sozinho, sentado, leva a cabo um diálogo indecifrável, se olhar muito tempo para ele quase consigo ouvir aquilo que ele ouve. Existem cerca de quinhentas vozes a falar com ele... como pode ele ouvir mais alguém? Como podem os outros dizer que está só?

Empregado: Boa Tarde. O que se passa? Estás triste?

Eu: Não.

Empregado: Estava a vê-la lá de dentro e estavas a fazer beicinho.

Eu: Não, é só mesmo um hábito brincar com os lábios.

Empregado: Dormiu muito?

Eu: Não, só o suficiente.

Empregado: Está com carinha de quem esteve na farra ontem.

Eu: Não.

Acho piada à falta de impessoalidade com que ele me trata e o freio que põe nele para não me tocar no ombro ou qualquer coisa do género. A frase com que vira as costas para ir buscar o pedido é maravilhosa: Se ficar triste chame-me que eu dou-lhe um beijinho. [Riso Prolongado]

O cheiro da cigarrilha volta e com ele a necessidade que tenho de analisar quem a fuma. Sentado, não é bem sentado é mais caído de corpo hirto na cadeira, braços apoiados na mesma, talvez para segurar o peso de todas aquelas vozes que vivem nele. Um café e um bagaço, o café para os olhos não se fecharem o bagaço para que as vozes se acalmem. E ali fica a focar o nada e a mexer os lábios em silêncio.

Acende mais uma cigarrilha, acendo mais um cigarro, o barulho envolve o nosso silêncio e apenas o nosso fumo se cruza.

Chega a minha companhia e quase colado o pedido. Este hábito de comer uma torrada e beber uma “meia de leite” parece ser interessante aos olhos de outros, eu desfaço o eventual mistério, é apenas um pequeno almoço fora de (das vossas) horas. E como se eu não estivesse presente o empregado fala de mim:

Empregado: Ela (eu) está triste.

Ela: Não está nada, acordou agora.

Empregado: Nah, esteve a chorar.

Ela: Pois, foi com saudades minhas.

Ele vai embora enquanto nós rimos demoradamente da situação.

Conversas.

Conclusões inconclusivas que afinal são meras constatações.

Uma salada de fruta distrai-me bem como o sol que espreita a esplanada. Engraçado como só hoje me apercebo que tenho quase sempre o mesmo ritual... deixo praticamente todos os pedaços de pêssego para o fim e apenas um pedaço de cada variedade de fruta que o acompanha. Hoje acabou em: cerca de dez pedaços de pêssego, um pedaço de morango, um de laranja, um de maçã e um de kiwi ( a banana e a pêra já tinham desaparecido).

Vai chover.

Mais uma cigarrilha, mais um cigarro. Eu falo comigo, ele... não sei.

2 comentários:

lagarto disse...

temos de combinar o tal café, não na tua faculdade, mas na esplanada onde escreves...tenho curiosidade em conhecer o pinguim;p

Ai e Tal... disse...

Sempre boa a sensação de falar para as paredes... NOT!!!

***MUAH***