sexta-feira, 2 de julho de 2010

Verbo ad Verbum


Chamo-te saudade vazio.
De mãos em concha onde apenas água escorre
onde se somem gotas como arco-íris,
vozes como duendes.
Giro a caixa de música sem bailarina e sem rodopio.

Tiro as sabrinas que já não uso
atiro-as à lama e olho a chuva desenhando-lhes abstractas imagens...

Ponho a flor murcha no cabelo, colhida do jardim que esqueci.
Deixo a joaninha e borboleta nela pousarem...
e rodopio em passos que não são meus

Imagino os labirintos das minhas veias
corridos a líquido negro
como criança que desenha em borrões de tinta
atiradas a folha nua...

O líquido rodopia já sem calor na chávena de asa quebrada
onde apenas giro o dedo pela boca... sem beber

Mordo a fruta suculenta
deixo que o sumo me escorra dos lábios até ao peito
como lágrimas... coladas na pele...

Leio com os dedos as palavras derramadas
e esqueço porque foram escritas quando nada na voz me olha...

E esqueço quem sou,
de onde venho
o que tenho
o que fui
onde estou...
E corro em remoinho sob a chuva, como se o tempo congelasse
numa imagem que já não é minha...

4 comentários:

Matilde Quintela disse...

Obrigada !
Digo-te, este blog é mesmo muito especial. Cada vez que cá venho ler um bocadinho, fico levada pelas palavras.
Muito bom (:

bz bz *

C.I.A.A disse...

Acredita que ficam...

Adorei, está muito expressivo*

Joaquim Maria Castanho disse...

Vigésimo Cálice

Arina, rainha dos astros e sóis
Que nos aquece e jamais esquece
Quem ama, se da tarde os atóis
Se inundam, eis que singela se oferece
E declama, como à luz de sua chama, nos tece.

E nos tem, sob protecção e tutela
Quando ao troar das trombetas liberta
O passado de seu túmulo e ao tempo acerta
Dando ao futuro o acumulo duma janela
Aberta, lente virtual que nos modela
Em alerta acenado A deus
Erguendo as mãos aos céus
Como Ela.

Dez dedos que são os nossos
Com outros dez que são os seus,
Depondo no alfabeto águas e ossos
Qual Xis a bailar ondeando véus
De gazes, de tules, de seda rosada
Estampados dédalos e labirintos
Cujas pétalas desenhadas camada
A camada, nos instruem os instintos
Nos sete sentidos da rosa desfolhada:


Olhar de pétala, lábios de veludo
Táctil cálice cuja sépala escuta
A concha do mar a degustar o escudo
No registo do Outro que tão-só executa
A empatia ao semear-nos pelo mundo.

E assim, água ardente vertida de oceano
Em oceano, sistema de líquido contínuo
Irriga-nos de sangue todo o ano
Por uma gota de momento exímio
E exíguo no equilíbrio suserano
De dois triângulos unidos pelo vértice
Da língua, enlaçadas margens do cálice
Na máxima míngua do estremecido ápice.

Comunhão do poder entre géneros
Acesos raios aquilinos do Sol universal
Onde o abraço resoluto das sementes e sócios
Gémeos nascidos da mesma luz na espiral
Em que os ócios merecidos são do labor igual
Além de mais igualmente da natureza – os números
Que põem e dispõem, ordenam o nível
Entre o lido e o por ler, o eterno e o perecível;
Entre o terreno e o espiritual, a matéria e o imortal

lampâda mervelha disse...

Enumerada, a lágrima.