
Enquanto caminhava olhava restos de Verão que passaram pelos meus pés.
Havia um peso... que eu ouvia,
somewhere...
Respondi a algumas pessoas... ignorei outras. A verdade é que gosto de caminhar sozinha... e em silêncio, prefiro que me ignorem.
Quando era pequena achava que era
esquisita, agora... agora sei que sou diferente de muitos, contudo suponho, mais próxima de alguns...
[...]
Olhei os ramos desfeitos pelo chão...
esmifrados,
nus por entre restos de almofadas verdes e salpicos vermelhos... Mataram a sombra na tangente do Verão...
Sorrio para o guarda que todos os dias tem o sorriso mais honesto e mais humilde que já vi até hoje... é de todos o meu preferido e nunca lhe perguntei o nome... realmente devo mesmo ser estranha aos olhos de alguns... (sê-lo-
ei sempre aos meus).
Encosto-me ao muro antes de seguir até ao elevador. Uma bebé brinca sozinha por entre os riscos dos lugares de estacionamento, agora vazios. Tão doce e bela com os seus caracóis loiros e apertados e os curiosos olhos verdes que se envergonham sempre que se cruzam com os de
outrem... inocente. Ainda nem sente o vento que lhe sopra sob as asas...
Sigo.
Carrego no botão e enquanto espero o destino olho um reflexo no espelho... corado, quase como se tivesse vergonha de algo... maçãs de rosto inocentes, eu digo. Não a reconheço por segundos, chego.
Chave... chave...
chaaaaaaave... Chave!
Rodo-a para a direita, adoro que a minha porta se abra ao contrário. Bato-a e coloco apenas a pequena corrente, que adoro por me fazer lembrar todas as correntes que todas as portas de filmes têm...
Penso em quando era pequena e imaginava empregos "dos grandes", folheava revistas com letras que ainda não entendia e via outras... imaginava como seria levar outra vida, outras, ainda hoje o faço, doente... eu sei.
Lembro quando roubava os sapatos de salto e os fatos formais à minha mãe e os colocava... olhava-me ao espelho, sob as quantidades excessivas de tecido e o espaço vazio nos sapatos, e pensava que iria ser outra... irónico, agora apenas desejo sandálias e roupa confortável... Outra.
Tiro os sapatos com o seu alto salto e deixo-os no corredor desalinhados, abandonados. É quase como se aprendesse novamente a andar... Ligo a música.
Sinnerman.
Perfect Nina.
Abro o chuveiro e tiro a roupa enquanto a
água aquece, deixo o vapor adensar-se no espelho... até a minha imagem ser não mais que um borrão bicolor perdido por entre uma mancha azul... Entro. Deixo a
água queimar-me o corpo lentamente, Nina despede-se enquanto altero a temperatura. Não consigo ouvir a música que lhe segue, perde-se a melodia por entre o som da
água contra o azulejo... deixo que ela me escorra do corpo e encha a banheira... apetece-me espuma, muita.
Deito-me entre as pequenas bolhas que flutuam... lembro-me de fazer de conta que a banheira era uma piscina, como um parque de diversões... hoje... será uma espécie de parque de purificação... ou qualquer coisa do género.
Recosto-me e deixo a
água estagnar... sinto a pele contrair-se
milimetricamente...
Volta a música, "Animal", canta ela com voz inocentemente profunda;
I change shapes just to hide in this place but i'm still... i'm still an animal...
Somos todos
.
Deixo a mente saltitar em espaços perdidos, degraus esquecidos. De olhos fechados chegam-me "
flashes"... de sonhos, pessoas, sorrisos, lágrimas, olhares, lembro cheiros, palavras... Passados ausentes. Como pode algo
aparentemente tão pequeno guardar tanto. A memória tem botões interessantes... demasiado, deveras.
A minha fada de eleição, ultimamente, canta um amor cósmico ao fundo... Há acordes perfeitos...
Perdoem-me o
egocentrismo, ou não pouco importa, mas acho que esta música foi uma oferta do universo para mim. Louca? também sei que o sou, obrigado.
Perco-me por entre tudo e nada daquilo que guardamos na nossa preciosa caixinha cinzenta... há agora um
pshyco killer a berrar pela casa, se eu fosse um assassino
psicótico qual o meu
mo? Abrir crânios e sugar cérebros, sem grandes
literalidades, sugar histórias outras, imagens, pedaços... hum...
pshyco!
Indeed...
A
água arrefece, deixo-a escorrer pelo ralo antes de sair... chuveiro novamente... perco-me mais um pouco nos acordes de um amor que poderá separar-nos com sotaque francês.
Fecho a torneira.
Embrulho-me na toalha verde que não é azul e automaticamente dirijo-me ao espelho para limpar o vapor... vícios... Sorrio para o reflexo, coisas...
Quase em simbiose a chuva acompanha umas
águas de
Março lusófonas... e como chuva me traz nostalgia abro as cortinas e embrulhada na toalha escondo-me debaixo dos lençóis em suspiros de detalhes não partilhados... e assim fico perdida num bailado compassado em
toc toc.
E algures num segundo desapareci.
imagem retirada do google