terça-feira, 12 de abril de 2011

Cubo Mágico...


A rua era apenas mais uma. Risca preta central emoldurada por pequenos quadrados pérola... Sigo as curvas e as contracurvas em monotonia passante.


Há uma brisa aquecida que passeia por dentro do casaco. Prendem-se os olhos ao chão enquanto a mente flutua 3 metros acima do solo. Há palavras que se desenham ouvido adentro seguindo rumo ao cérebro... divagam por entre outros restos, novos sons, novos passos, novos dias, novos sabores... Gosto[-os], e por vezes Gasto[-os] também... Vícios do eu.


Palavras de saber que sabem a decisão. Repito-as, corto-as, redesenho-as e guardo-as em caixas que pairam em forma de cubo mágico.


Conjugo-me em imagens estáticas que guardo no ficheiro da memória.


Somos tanto que não partilhamos, por não sabermos, não querermos... Sei do muito em mim que jamais saberei... o mecanismo que me faz ser quem sou ao qual não são facultadas esquinas...


Vesti a pele de outro tempo e visitei uma memória que guardo num dos quadrados amarelos. Tenho 5 anos, caem-me cachos avelã encaracolados pelos ombros, vestido branco, que na verdade não era um vestido era uma T-shirt de adulto, pés descalços. Lembro-me que a minha avó me construiu um baloiço preso na gigante laranjeira que sempre viveu no quintal, até aquela altura. Era baixo para que eu pudesse usá-lo sem grandes perigos. Se fechar os olhos consigo sentir a textura áspera da corda. Balançava-me durante horas, aparentemente de mente vazia... as aparências são perigosas e esta errada. Tenho hábitos recorrentes, com 5 anos, gostava de baloiçar e pensar em nadas, eram horas comprimidas em minutos que se arrastavam em compasso de brisa esporádica. Mas não é esta a memória em questão, porque a verdade é que aquela árvore acabou por desaparecer e com ela o meu baloiço, pelo qual tanto chorei, a verdade é que guardei comigo a corda e quando a Primavera chegou os campos abertos, que sempre me acompanharam, respiraram flores, amarelo vivo.
Roubei frutas da mesa da cozinha com chão preto e uma agulha com linha do cestinho de verga que sempre habitou no canto esquerdo da máquina de costura, em ferro pintado de branco, para sozinha ir fazer um piquenique e colares e coroas com as flores amarelas. Enfiei tudo dentro da mochila roxa que o meu tio me tinha oferecido, tinha o Bugs Bunny no recorte do bolso de fora... detalhes. Retirei da mochila um lenço branco, que a minha mão jamais suspeitou que desapareceu e pousei-o num canto sem flores debaixo da árvore que dava os limões com os quais a minha avó fazia limonada para o almoço. Ao fundo o meu avô pousou a enxada e encostou-lhe o cotovelo, reconheceu-me e acenou aproveitando a pequena pausa para limpar o fio de suor que lhe escorria debaixo da boina. Sorri e acenei. Olhando esta imagem estática agora, vejo todo o carinho com que me olhava, a princesinha reguila... que hoje infelizmente já nem reconhece. Infortúnios. Em cima do lenço despejei o conteúdo da mochila e dobrada por entre a fruta estava a corda. Olhei e pensei que queria ter um baloiço ali, debaixo da árvore dos limões, onde podia passar o meu tempo de "nada" baloiçando sobre as flores amarelas enquanto o meu avô cavava... descasquei e comi a banana enquanto olhava a corda, apanhei as flores e comecei a fazer a minha coroa amarela... passaram-se algumas horas inertes. O sol punha-se ao fundo da estrada de terra, as andorinhas cantavam e o vulto do meu avô surgia, por entre a imagem, escuro. Arrumei tudo na mala, tudo à excepção da corda na qual cosi algumas das flores. Fiquei com ela na mão enquanto esperei que o meu avô fosse colocar as enxadas dentro do tanque. Ao fundo da rua ecoava já a voz da minha avó; "Oh Flores, anda jantar". Disse-me; "Vamos minha menina que já é hora" , e deu-me a mão em modo protector... enquanto caminhávamos lentamente a voz da minha avó ainda se arrastava quando ele perguntou "e isso para que é?", respondi "era a corda do meu baloiço, não deixei a avó ficar com ela... fazes-me um ?", "Já não temos árvores à beira da casa e a avó não te quer longe que podes aleijar-te", enquanto o dizia tirava do bolso esquerdo da camisa o maço de cigarros, pacote cinzento e acendeu um, "não aleijo , pumeto" , riu "ai vocês, vocês"
Passaram-se alguns dias e eu arrastei a corda comigo até as flores murcharem, um dia esqueci-me dela, talvez tenha sido no dia em que a minha mãe teve uma tarde livre e me ensinou o que eram as letras, num pequeno livro sobre um robot. Foi num fim de semana em que todos os meus tios almoçaram sardinhas e feijão frade que o meu avô me chamou para junto dele enquanto limpava cabaças e me perguntou onde estava a corda, "não sei" , apontou com o nariz para a frente e vi-a pendurada no estendal com dois nós em cada ponta. Olhei-o sem dizer nada, "O avô lembrou-se que baloiço não podes ter, mas saltar à corda podes sempre, onde quiseres", "o que é isso ?"... O meu avô tinha 65 anos quando me ensinou a saltar à corda, durante alguns anos foi uma das minhas diversões preferidas, banalidade aparente, sei... mas a verdade é que passados 20 anos tenho ainda essa memória guardada em imagens estáticas num dos quadrados amarelos do meu cubo mágico.

Um comentário:

a metade de Nozes disse...

E a verdade é que passados vinte anos ainda te penduras na corda, agora sem baloiço. AH! Como entendo essa diversão!