quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

sonsondergang


"...matar saudades de ti. Ou matar-te, como fazem as crianças, para recomeçar uma outra história, no balouço quotidiano do teu sorriso."

Conhecem o sentimento?

Uma ideia aninhada em forma de embrião no cérebro? Como uma música que ouvimos algures, não sabemos de quem é, não sabemos a letra mas que insiste em martelar na nossa cabeça em forma de pequenos acordes isolados que se repetem? As palavras são iguais. Surgem, encontram amigas pelo caminho, unem-se e quando crescem para pequenas frases/ideias dispersam-se pelo cérebro em pequenos martelos... deliciosos, irritantes, tristes, vivos ou qualquer outro adjectivo que acrescentem a si mesmas.

Estou em casa. Da cadeira que se arruma atrás da secretária vejo a janela da sala... e ela veio enquanto olhava o sol, tão simples quanto isto;

"Entre pestanejares o sol morria de raios presos nas folhas que dançavam ao sabor do vento."

Apenas uma frase que martelou e martelou até se aninhar atrás da orelha e eu já não conseguir olhar para o computador, para a televisão ou mesmo para a janela. Uma inquietude que se instala na alma, ou na nuca... nunca sei muito bem.

Pego no caderno de sempre e é isto que tenho que escrever: "Entre pestanejares o sol morria de raios presos nas folhas que dançavam ao sabor do vento."

Entendem o sentimento?
Embrulha-me o estômago, não é enjoo, não é fome, é esta ideia, maior que o resto no momento, esta ideia que nasce e não espera por nada nem ninguém... como um pequeno animal que nasce e começa logo a andar, não precisa mais que nascer para andar. As ideias andam dentro de nós e explodem de várias formas, num olhar doce que damos a alguém, numa frase que dizemos a alguém, no simples tocar alguém... ou então... Ou então morrem no papel, no papel por onde rolamos a tinta que os nossos dedos comandam. E aí... já não são minhas, já não são apenas minhas, são um novo universo que assim que nasceu começou a andar sozinho...

Conseguem entender?

"Entre pestanejares o sol morria de raios presos nas folhas que dançavam ao sabor do vento."

E depois disto já não tem lógica, são sentimentos, memórias que se repetem porque se colam umas às outras, dão as mãos e dançam na minha mente. Eu, de costas para a sala, olhos fechados, saboreio o por do sol e o silêncio, o silêncio de onde se desembrulham passos, passos que ele percorre na minha direcção, as mãos que em silêncio se trancam em torno do meu ventre, o calor dos lábios na minha orelha e o coração que bate freneticamente nas minhas costas e me apaga todo e qualquer pensamento... paz. É a água que se espuma aos meus pés em sinfonia que apazigua, enquanto o sol desce beijando o mar e os miúdos correm pela areia desenhando pegadas alheias. É o quintal da minha casa, minha outra casa, onde em tardes de Verão o sol se espreguiça por entre as laranjeiras acompanhando o compasso preguiçoso de um cigarro. É a minha avó que me ensina a desenhar flores enquanto em troca pede que eu a ensine a escrever o seu nome. É o meu irmão, ainda bebé, a acordar da sesta com o sorriso mais doce e inocente, e o cheiro a bebé. São as suas mãos pequeninas e gordas que se abrem para mim e pedem colo enquanto o sol desce pela janela... Sou eu, com elas, a saltar à corda em lengalengas que tentavam acompanhar o compasso dos saltos, antes que o sol se fosse, antes que tivéssemos que voltar a casa. Sou eu, agora, deste quarto andar vendo tudo isso em flash solarengo.

Entendem?

"Entre pestanejares o sol morria de raios presos nas folhas que dançavam ao sabor do vento."

É preciso matar para seguir. Matar em papel estas ideias, estas histórias, fazer estes exorcismos. Matar para seguir.

Diz alguém que a primeira parte para qualquer cura é aceitar-se que se está doente. Memórias, palavras, ideias, são uma espécie de doença... é que... entre pestanejares o sol morria de raios presos nas folhas que dançavam ao sabor do vento.

Citação retirada do livro Fazes-me Falta, Inês Pedrosa
Imagem retirada do Google

2 comentários:

Anônimo disse...

Todos os dias o sol se põe mas com o seu pôr nasce a esperança de um novo dia. E é por viver um dia de cada vez que assim me sinto. Se é bom? Não sei!!! Não tenho termo de comparação. A minha vida é assim e aceito-a tal como ela é. Será por perguiça? Por me ter acomodado? Não sei. O que sei é que vivo um dia de cada vez e por enquanto isso basta-me. Talvez por viver na esperança que o amanhã será melhor. Talvez porque acomodei-me.

Lady Me disse...

Lindo mesmo, este texto. Experimentar a saudade a sério dói muito mas há sempre um novo dia e enquanto a pudermos matar, é muito bom.