A árvore era verde. O
baloiço era feito de papoilas. Vesti o vestido azul, porque é da cor dos
sonhos. Baloicei ao ritmo dos pensamentos. Aqueles que saltam do lado esquerdo para o
direito sem que se centrem, sem que deixem que os centremos. Na verdade a culpa
é nossa… não os queremos centrar, concretizar. Deixamos que saltitem de lado
para lado, como crianças que não têm que pensar no que ficou para trás, no que
virá. Aqueles pensamentos que não queremos ter, as lembranças que queremos
apagar, as palavras que não queremos ouvir, as verdades que não queremos dizer.
[Suspiro]
Anatomia do esquecimento.
Esqueço o que não quero, lembro o que não me apetece.
Esqueceste-me?
Esqueces-me? Esqueci?
Balouço para trás e para
a frente, ao compasso das memórias que vão dançando no movimento. Inclino-me e
deixo que o corpo quase roce o chão… abranda o ritmo. De olhos fechados lembro
o cheiro a laranjas, as laranjas que caiam quando baloiçava na árvore do
quintal. Já não existe e a memória está tão longe… talvez à distância de 7300
dias, 175200 horas… tempo, ainda que não seja a sua real medida aquela que
escolhemos dar-lhe. O relógio marca sempre o mesmo compasso, matematicamente desliza
os números em sequência, 24h por dia. Assim sendo porque nos custam algumas horas
a passar mais que outras?
[Suspiro]
Voa-me o tempo por entre
o balouçar lento e o meu cabelo entrançado que raspa o chão.
Vejo a Alice sentada no
galho e o gato que ronca ao seu lado… o tempo em que chegaram não existiu.
Alice: Meio cheio ou Meio
vazio?
Eu: Não acaba por ser a
mesma coisa?
Alice: Nop. Diz a teoria
de que meio cheio é optimista e meio vazio o pessimista.
Eu: Não concordo.
Alice: Como não?
Eu: Pode estar meio cheio
de nada e meio vazio de tudo.
Alice: Isso não faz
sentido.
Eu: Nunca disse que
fazia, são apenas perspectivas, como o optimismo e o pessimismo. Sempre fui
mais pessimista que optimista.
Alice: Porque?
Eu: Parece-me mais real ser pessimista.
Alice: Porquê?
Eu: Dói menos
esperar pouco. Porque na verdade esperas, tens uma expectativa, mas se a
contorceres a ponto de fazeres com que o que esperas sejas mais seguro não te
dói tanto quando não acontece.
Alice: Mas e se
acontecer?
Eu: Se acontecer ficas
duplamente feliz por que supera as tuas expectativas.
Alice: Já me tinha
esquecido de como és depressiva.
Eu: Realista.
Alice: A realidade tem
coisas boas.
Eu: Não disse o
contrário, mas a realidade nunca consegue atender ao que esperas.
Alice: Talvez esperes
demais.
Eu: Talvez…
Alice: Quem esperas?
Eu: Quem já chegou.
Alice: Meio cheio?
Eu: Meio suspenso nos
nadas que me enchem, meio vazio nos tudos que me vão faltando.
Alice: Meio com Meio faz
um cheio.
Eu: Talvez…
3 comentários:
Nice poetry.
Keep on going...
"meio com meio faz um cheio".
Para mim pode ser palheto.
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