O frio embrulha-se na
pele. Como se esta não fosse suficiente. Como se não fosse uma proteção. Como se
esta não existisse. Infiltra-se como se chegasse aos ossos. Eriça. Excita. Como
o eterno lugar comum, o gelo que queima.
Escolho um casaco de lã,
embrulho-me como se fosse para a rua. A rua que fica do lado de lá da janela.
Olho, o fim de tarde que
se desenha no horizonte. O mar. O vento.
Inverno
Estação.
Passado.
Músicas antigas, bandas
sonoras de filmes que são também o passar de histórias minhas, comuns.
Os sorrisos serenos de
quem vê de longe. Quem recua no tempo. Sente o que já passou, como se estivesse
ao meu lado. Vivo. Do lado de dentro do vidro.
A cada letra uma imagem
que se desenha do lado de dentro do peito, por baixo da pele, no negro da íris.
Abraça-me em forma de gelo, gelo que aquece no peito. Abraço-a de volta. Dançamos
lentamente ao compasso da letra…
I’m fine baby, how are you? Lugares comuns, banalidades…
Não são apenas dias, são
anos presos nas pontas dos cabelos que ainda não foram cortados…
Lembro. Lembro a voz da
minha avó misturada com o cheiro do pão no forno de lenha. A voz que dava
resposta aos meus queixumes em idades de porquês. “As histórias têm o tempo de
um fio de cabelo. A raiz vai crescendo, acompanhando, vivendo, vais cortando
pequenas pontas. E com elas vão as memórias que ficam para trás. O cabelo
demora a crescer, mas quando cortares essa última raiz que o tempo empurrou… a
memória vai… e será quase como se não tivesse acontecido”
Sempre tive aversão a cortes
de cabelo. Sempre achei que me cortam demais. Sempre fiquei presa no passado. Nas
memórias. Nas raízes que demoram a cair, talvez tenha que cortar o cabelo mais
vezes.
Suspiros silenciosos que
se prendem num pequeno pestanejar.
A música pára, a dança
também. Abraço o frio que me gelou os dedos e a ponta do nariz.
Serenidade. Aquece os
lábios, desenha sorrisos.
Não preciso cortar a raiz…
há sempre um cabelo que cai, todos os dias.
Imagem de Klimt
5 comentários:
este comentário deve estar equivocado! Não tenho ideia ao que se refere.
tinha saudades de te ler. e continuo a fechar os olhos, depois disso, a imaginar um cenário para as tuas "histórias".
Adoro ler-te, minha querida *
Obrigada BIA!!!!!!!
Obrigada António! :)
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