Ás vezes o papel só serve para fazer desenhos. Desenhos e não palavras, palavras em desenhos. Um blah blah blah de imagens soltas, dispersas e (aparentemente) sem sentido.
Ainda dou pestanejares ao esquecimento. Ainda tenho slides de fotografias nos meus olhos. Ainda me lembro de frases soltas, gestos sem sentido, cheiros que me realçam a memória.
A manhã que se desprende em abraços de preguiça ou aqueles dias que acabam sem querermos que outros comecem.
Ainda lembro o vestido das borboletas que sujei dançando na lama, ainda me lembro quando dançámos sobre a relva ensopada, sem que as cronologias sejam respeitadas. Ainda me lembro dos rodopios, dos sorrisos, lembras?
Ainda me lembro do que escrevi a primeira vez que te vi, a primeira vez que te toquei, a primeira vez que te beijei...
Ainda me lembro da janela do quarto, o meu quarto, das árvores do cinzento, ainda me lembro do cheiro pesado a cigarros nas paredes, nas folhas amarelas dos meus livros amontoados, os meus livros...
Ainda me lembro do quanto sorri e do quanto chorei naquele quarto, entre essas paredes, cheias de postais e borboletas, tudo emoldurado pela janela.
Lembro-me de quem fui, de quem me afastei, de quem me criei, de quem me esqueci, lembro todas, sou todas. Fui todas.
O horizonte acinzenta-se na sua infinitude. Uma criança brinca com o triciclo novo. Outra criança de roupas rasgadas brinca com o seu triciclo sem rodas. Outros jogam cartas, outros vendem cajú, outros olham e outros nada...
Outros fazem um ckeck-in, outros fazem um check-out. Outros nascem, outros morrem.
Tudo acontece e se sucede. Como eu. Como nós. Como todos.
Deixar-me ir na estranheza de lembrar. Lembrar e saber. Lembrar e duvidar. Lembrar e querer. Lembrar e melhorar. Lembrar e seguir. Lembrar e matar.
Como um caminho que se percorre de olhos vedados, a rendas.
A minha avó e as suas agulhas, a minha avó e o seu crochet, a minha avó e as suas histórias de terror, a minha avó e o seu forno de lenha, a minha avó e os seus gritos.
Memórias, desenhos, palavras, tinta dispersa em papel, como na memória.
Doença, alegria, carência.
Vozes que escolho como companhia. Sorrisos que escolho como companhia. Chás que escolho como companhia. Coisas, sempre coisas. As coisas que importam ou coisas sem importância.
O silêncio em todo o lado menos dentro de mim. A saudade dobrada nas pestanas que se tocam. Eu e tu. Eu tu e a caneta. Eu, tu, a caneta e a tinta. Juntos em vazios que se desprendem como fogo de artifício nos olhos, nos lábios, nos dedos.
3 comentários:
O que é essencial para a alma é invisível aos olhos. Já o que é essencial para o corpo é muito concreto. Olho e vejo e reparo. Sinto que é uma luta inglória esta de reparar em tudo o que vejo. Se pelo menos a fé fosse em mim o que em tempos foi... refiro-me à fé no Homem. Prossigo no meu caminho, sinuoso, turtuoso, mas que não me deixa outra alternativa senão a de seguir em frente de olhos vendados e coração fechado para que possa sobreviver a tudo quanto me rodeia. Prometo a mim mesmo que não irei desistir facilmente. Que enquanto o meu destino estiver na palma da minha mão, não desistirei. E perdurarei, e resistirei à intempérie que nos fustiga. Porque no essencial todos somos iguais.
A memória... é essencial para sabermos de onde vimos. Para onde vamos e o caminho que escolhemos vive-se no presente. E a escolha do presente é feita a cada momento que pressiono uma tecla do meu teclado. Poderia ser eventualmente doutra maneira. Poderia virar costas a tudo e a todos e continuar ainda assim no meu caminho, alterando o meu futuro de forma egoísta sem querer saber dos demais e sem querer saber dos pormenores que apenas adiam o inevitável destino de todos nós. Todos vimos do vazio e para lá caminhamos. O importante é o que fazemos no presente, ou se assim entenderem, no intervalo fatal do nada.
Ou da vida, se bem me entendem.
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