segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Néctico


Enquanto caminhava olhava restos de Verão que passaram pelos meus pés.
Havia um peso... que eu ouvia, somewhere...
Respondi a algumas pessoas... ignorei outras. A verdade é que gosto de caminhar sozinha... e em silêncio, prefiro que me ignorem.

Quando era pequena achava que era esquisita, agora... agora sei que sou diferente de muitos, contudo suponho, mais próxima de alguns...

[...]

Olhei os ramos desfeitos pelo chão... esmifrados, nus por entre restos de almofadas verdes e salpicos vermelhos... Mataram a sombra na tangente do Verão...

Sorrio para o guarda que todos os dias tem o sorriso mais honesto e mais humilde que já vi até hoje... é de todos o meu preferido e nunca lhe perguntei o nome... realmente devo mesmo ser estranha aos olhos de alguns... (sê-lo-ei sempre aos meus).

Encosto-me ao muro antes de seguir até ao elevador. Uma bebé brinca sozinha por entre os riscos dos lugares de estacionamento, agora vazios. Tão doce e bela com os seus caracóis loiros e apertados e os curiosos olhos verdes que se envergonham sempre que se cruzam com os de outrem... inocente. Ainda nem sente o vento que lhe sopra sob as asas...

Sigo.

Carrego no botão e enquanto espero o destino olho um reflexo no espelho... corado, quase como se tivesse vergonha de algo... maçãs de rosto inocentes, eu digo. Não a reconheço por segundos, chego.

Chave... chave... chaaaaaaave... Chave!
Rodo-a para a direita, adoro que a minha porta se abra ao contrário. Bato-a e coloco apenas a pequena corrente, que adoro por me fazer lembrar todas as correntes que todas as portas de filmes têm...

Penso em quando era pequena e imaginava empregos "dos grandes", folheava revistas com letras que ainda não entendia e via outras... imaginava como seria levar outra vida, outras, ainda hoje o faço, doente... eu sei.
Lembro quando roubava os sapatos de salto e os fatos formais à minha mãe e os colocava... olhava-me ao espelho, sob as quantidades excessivas de tecido e o espaço vazio nos sapatos, e pensava que iria ser outra... irónico, agora apenas desejo sandálias e roupa confortável... Outra.

Tiro os sapatos com o seu alto salto e deixo-os no corredor desalinhados, abandonados. É quase como se aprendesse novamente a andar... Ligo a música. Sinnerman. Perfect Nina.
Abro o chuveiro e tiro a roupa enquanto a água aquece, deixo o vapor adensar-se no espelho... até a minha imagem ser não mais que um borrão bicolor perdido por entre uma mancha azul... Entro. Deixo a água queimar-me o corpo lentamente, Nina despede-se enquanto altero a temperatura. Não consigo ouvir a música que lhe segue, perde-se a melodia por entre o som da água contra o azulejo... deixo que ela me escorra do corpo e encha a banheira... apetece-me espuma, muita.
Deito-me entre as pequenas bolhas que flutuam... lembro-me de fazer de conta que a banheira era uma piscina, como um parque de diversões... hoje... será uma espécie de parque de purificação... ou qualquer coisa do género.
Recosto-me e deixo a água estagnar... sinto a pele contrair-se milimetricamente...
Volta a música, "Animal", canta ela com voz inocentemente profunda;

I change shapes just to hide in this place but i'm still... i'm still an animal...

Somos todos.

Deixo a mente saltitar em espaços perdidos, degraus esquecidos. De olhos fechados chegam-me "flashes"... de sonhos, pessoas, sorrisos, lágrimas, olhares, lembro cheiros, palavras... Passados ausentes. Como pode algo aparentemente tão pequeno guardar tanto. A memória tem botões interessantes... demasiado, deveras.
A minha fada de eleição, ultimamente, canta um amor cósmico ao fundo... Há acordes perfeitos...
Perdoem-me o egocentrismo, ou não pouco importa, mas acho que esta música foi uma oferta do universo para mim. Louca? também sei que o sou, obrigado.

Perco-me por entre tudo e nada daquilo que guardamos na nossa preciosa caixinha cinzenta... há agora um pshyco killer a berrar pela casa, se eu fosse um assassino psicótico qual o meu mo? Abrir crânios e sugar cérebros, sem grandes literalidades, sugar histórias outras, imagens, pedaços... hum... pshyco! Indeed...

A água arrefece, deixo-a escorrer pelo ralo antes de sair... chuveiro novamente... perco-me mais um pouco nos acordes de um amor que poderá separar-nos com sotaque francês.

Fecho a torneira.

Embrulho-me na toalha verde que não é azul e automaticamente dirijo-me ao espelho para limpar o vapor... vícios... Sorrio para o reflexo, coisas...
Quase em simbiose a chuva acompanha umas águas de Março lusófonas... e como chuva me traz nostalgia abro as cortinas e embrulhada na toalha escondo-me debaixo dos lençóis em suspiros de detalhes não partilhados... e assim fico perdida num bailado compassado em toc toc.

E algures num segundo desapareci.

imagem retirada do google