terça-feira, 30 de março de 2010

Latente


Latente sossega o corpo dormente

Cansas-me o peito em canções mudas
Gastas-me os dedos em esperas penduradas em mesas de rua
Cegas-me o olhar inacabado no som do rasto

Simpatia incompleta repleta no espaço reticente.

Colo a tua mão ensanguentada ao meu rosto, pouso a minha mão sobre a tua.
Silêncio.
Espaço.
Compasso.
Sou brisa no teu medo, és lágrima no meu peito.

Olho-te. Dura. Fria. Negra. Fulminante.

Não te perdoo que não me vejas... nem mesmo no sangue das tuas marcas.

Somos um nada momentâneo. porque escolhemos sê-lo. apenas.

Colas o teu corpo ao meu em símbolo de harmonia
Preto no branco em face salpicada a sangue...
Brincas com os dedos nos meus lábios
pousas a mão na minha nuca e suspiras
suspiras em harpas descompensadas
presas em colares de missanga expostos em montras comuns.

Abraças-me em contra-baixo de corda vibrante

e abraçados sonhamos solidão em gotas de luz senil...

imagem retirada do google

sexta-feira, 26 de março de 2010

A latere



Perguntei
Onde estava o corpo e a mente
As memórias e os sentimentos
O toque que não vem
O sabor que não sinto

Quem estava no meu lugar...

Esqueci os passos do tango
O segredo do olhar
e até as palavras de seda
Escondi-me no canto à esquerda da janela
Olhei a escuridão de dentro

Não te vi

Ouço a tua voz ao longe
martelada a veludos certeiros
Mas não te vejo
Sinto apenas

Perguntei para onde voam os sonhos quando dormimos
Aqueles que me acompanham enquanto caminho
Que me beijam no vento
Que me acariciam na chuva

Perguntei quem me pôs aqui
Quem te pôs aí
Quem não nos pôs lá

Só por entre todos.

Ele não vê o cinzento... Nem o arco íris, suspeito
Não ouve as reticências no coração que deixo nu
debaixo dos lençóis

...entrancei as mãos no peito algures por entre o martelar que se esconde no cabelo
não vi o chão calcetado
nem a chuva
nem mesmo o céu cinzento
não vi o cheiro da multidão
a solidão do café
nem o som dos passos solitários.

Dou a mão ao vento livre
Esqueço-me nele

Abro um livro que não escrevi
onde deixo reminiscências de outros que não li
num tom melancólico de segredos subtilmente efervescentes debaixo da pele
branca do sol que recusa
Rasgo páginas em branco
salto parágrafos e negligencio a pontuação
numa criação que me transcende

Vi as asas que voam sem corpo
o fogo que queima sem oxigénio
o corpo que se alimenta na ausência
E a metamorfose que tarda em chegar

Vi a mão que embala a voz correndo o pescoço
os lábios que beijam a ponta do nariz
os olhos que entendem o que escondo

Afundei-me num poço que não era meu
Desenhei cópias imperfeitas de pinturas outras
e criei-me em devaneio...

Vomitei-te em borrões coloridos
amarrotei a tela e cuspi-te para o vazio do universo

Esquizofrenia letrada em significados ausentes

Perguntei
Não respondeu.

Vejo-te mais quando não te olho...

E as cores do arco íris jogavam xadrez com as borboletas...



Pintura de Jackson Pollock

quarta-feira, 24 de março de 2010

OutInside





Espelho a meia luz...

reflexo...

Quem?

Por baixo de todas as capas não se sabe
Retira as camadas de maquilhagem
As pinturas cubistas
renascentistas e rupestres
os arco íris e os borrões

De olhar vazio quis cortar o mundo de dentro do peito.
Rasgar o Universo
Arrancar os sonhos...

Por entre os camaleões e as metamorfoses não sabe quantas vidas perdeu...

Não se vê em pureza nua

deixou de se olhar tem tanto tempo que deixou de se ter nesse tempo...

Nem na nuvem
Nem na água
Nem no toque
Nem no gosto

prova a pele em busca de reminiscência...

Nada.

Sabe não ser uma folha em branco...
Mas por um minuto, apenas um minuto quis estar limpa de tudo

Do lado de fora...
no rosto jamais no olhar...

segunda-feira, 22 de março de 2010

Acácia


O campo era verde e eu corria.
O dia era banal e eu corria.
O tempo não existia e eu corria.
Podia ser ninguém mas corria.
Podia não ter alguém mas corria.
Podia ainda ser deserto ou livro em branco mas corria.

[YouWillNotDieWhoYouWereBorn]

Era uma alegoria de pureza por entre sons perdidos
Um quadro renascentista com apontamentos cubistas
Deuses confusos perdidos na religião geométrica
Um sol que brilha num buraco negro
Uma criança que corre no campo verde, atrás de nada e levando tudo na palma da mão...

[IFeelItAll,IFeelItAll]

O sol que queima um ombro nu
Uma esplanada de estranhos
Um gelado que derrete
Uma brisa promiscua que beija a todos
Um momento preso numa imagem

[I'mAlwaysInThisTwillight]

Sem saber perdido em sabores alheios
Passos de ferros enferrujados e verga moldada
Sons ausentes em sentimentos presentes
E pedaços que morrem ao passar do tempo...

E eu apenas não sabia que a brisa os podia levar...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Q


quero chorar num peito que não é o meu
num choro que não se ouve
num sonho que não se perdeu

quero dormir numa almofada sem o meu cheiro
num sonho raiado a luz
num suspiro que não ouço

quero aninhar-me num chão que não tenho
num frio que não existe
num morrer que vive

quero ver-te num tempo outro
num momento preso
num sentimento difuso

quero rasgar a dor
comer-lhe o coração
pisar-lhe o olhar

quero ser um não querer
inerte na dor
morto no saber

quero não ser eu agora
não voar de pés no chão
não sentir o mundo nos olhos
não te ver de olhos fechados... em todo o lado

segunda-feira, 15 de março de 2010

vryheid


vi um sonho
cascata em arco íris brilhante
como pássaros que livres voam rumo ao azul quebrando o branco
mãos que se tocam selando desejos comuns
sorrisos que se partilham em amor irracional

sons
sabores
arrepios em espinhas espirais

vi um mundo que não era meu
entrei

sinto o vento
a água
as árvores
unidas em diferença na igualdade...

unida a um desejo que queima no ventre e se exprime nos lábios.

acreditar
que há verde no horizonte de todos
brilho nos olhares mais escuros
doçura nas mãos alheias
força nos passos

e vou
corro na terra descalça
deixo os pés enterrarem no chão
grito sons desconhecidos ao céu
rio para a chuva
danço em mim com todos os que não conheço

sem medo
sem língua
sem nação

Salto!
Vazio
Branco

Apenas vida
Apenas una
Apenas sorrindo...

imagem retirada do google

segunda-feira, 1 de março de 2010

Uno.



Sopro aveludado em nuca de pedra púrpura.

Enterro a mão dentro do peito em busca de um tom bordeaux mas a única coisa que encontro são pequenas pedras de gelo rosa-velho...

Como se gotas de vida tivessem agora alterado o seu estado...

Chora ao som de um lamento alheio, chora-o como sendo o seu, abraça o peito e roda as ancas como se seduzisse um par na dança... Dança só... deixa que as sua mãos inventem companhia... escorrem pela face, ombros, braços, barriga, ancas, nádegas, coxas, desliza até aos pés... suavemente desliza até ao chão, rebola sobre si mesma, sem calor humano apenas o seu suor contra o chão frio. Rasteja e perde-se por entre a confusão dos sentidos. Sente toda a pele elevar-se numa onda eléctrica desde os pés ao pescoço... brinca com a sua mão fria alimentando o estímulo... Observa o corpo reagir em arrepio, rebola pelo chão e vê ao longe a marca do seu corpo nele... como se fosse de outro não seu.

Qual terá sido a transformação...

Pára a música, apoia uma mão no chão e levanta-se, observa-se no reflexo do vidro da janela, não se reconhece por momentos no calor que vem de dentro.
Vira costas à imagem e segue em passo flutuante até ao banho.

Veludos agrestes presos em reticências...